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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

FIGUEIRA DE CASTELO RODRIGO - S. MARCOS DA SERRA - lenda nº 101

Texto e desenho de Santos Costa

O topónimo da freguesia de Penha de Águia é, ele próprio, uma lenda, pois se diz que, vista ao longe, faz lembrar uma águia. O topónimo da Serra de S. Marcos é outra lenda.

Havia em tempos, escondido nas brenhas da serra, um homem chamado Marcos que assaltava os viajantes. Costumava colocar uma corda esticada de um lado ao outro do carreiro, a que atava um chocalho para o avisar caso alguém tropeçasse naquele alerta; logo ele saltava a desferir um golpe capaz de atordoar o viajante, com a finalidade de o aliviar de todos os bens transportados.

A mulher condenava esses atos e, certo dia, ela foi encontrá-lo abatido, arrependido de tanta maldade, a confessar finalmente as suas culpas. Parecia estar disposto a arrepiar caminho pela senda do bem.

- Podes arrepender-te do que fizeste, Marcos - disse ela.

Ele acenou com a cabeça, banhado em lágrimas, olhou para o céu e fechou os olhos. Estava morto.

Perante o cadáver do marido, que se esfriava, a mulher deitou o corpo num espesso manto de folhas e cobriu-o com outras tantas folhas de carvalho, árvore abundante no local. Assim esteve o corpo durante sete anos.

Aconteceu durante esse período que não choveu uma pinga de água na povoação de Penha de Águia. Apenas se ouvia uma voz que dizia:

- Quem quer água na terra, vá buscar Marcos à serra.

Tanto ouviram a voz que alguns do povo decidiram ir verificar a razão daquele dito. E não tinham andado muito na serra, às voltas, quando começou a chover copiosamente. E encontraram o corpo por baixo da folhagem. O corpo estava incorrupto. Pegaram nele, trouxeram-no para Penha de Águia e sepultaram-no na igreja.

    A partir daí a serra passou a chamar-se Serra de S. Marcos, este da lenda ou S. Marcos evangelista.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

AGUIAR DA BEIRA - "TRUCA" E TORNA A "TRUCAR" - lenda nº 93


 Texto e desenho de Santos Costa

 No sítio de S. Pedro, entre as freguesias de Pena Verde e Forninhos, há vestígios de um castelo que o povo presume ter sido construído pelos mouros.

Conta a lenda que alguns mouros se encontravam a jogar o truque (uma espécie de jogo de cartas) em que, como em qualquer jogo desta natureza, se farta de fazer batota. Entre os que estavam na jogatina, estava o rei mouro e seu filho.

Ora, a páginas tantas, o filho do rei levantou-se da mesa e acercou-se das muralhas do castelo e viu algumas dezenas de arbustos caminharem como se tivessem pés.

Correu para junto do pai e alertou:

- Meu pai, os matos andam!

O pai, empenhado que estava na vaza, que lhe correria de feição, abominou a interrupção e vociferou:

 - Truca e torna a trucar!

E voltou a dedicar atenção ao jogo, enquanto o filho retornava às muralhas para confirmar aquela perplexidade. Como o número de arbustos andantes, em vez de minguar recrudescesse, o rapaz voltou para junto do rei.

- Meu pai, os matos andam!

O pai, fartinho daqueles alarmes que lhe estragavam as vazas do jogo, respondeu:

- Larga daqui! Como é que os matos andam? - E voltando-se para os parceiros do jogo, ordenou: - Truca, retruca e torna a retrucar, se os matos andam, deixá-los andar.

O jogo continuou mais animado ainda.

Entrementes seguia a dança das folhagens até chegar às muralhas. Não encontrando resistência, os cristãos tinham-se aproximado e, chegados onde queriam, desfizeram-se da camuflagem e vá de pegar em armas. Entraram na fortaleza desprevenida e desbarataram a guarnição.

    O rei, apercebendo-se do ataque, escondeu-se debaixo de um banco, onde o encontraram.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

ALBERGARIA-A-VELHA - A TERRA DO ANJO - lenda nº 23


 Texto e desenho de Santos Costa

 Na margem direita do rio Vouga, viveu em tempos um pescador que decidiu não casar. A sua vida era dura, a faina difícil e ele achou que não estaria à altura de sustentar uma companheira. No entanto, o seu maior desejo, mesmo um sonho, era ter um filho. Com fervor, dirigia as suas orações e o pedido a Nossa Senhora das Neves:

- Senhora das Neves, Nossa Senhora da minha devoção, concedei-me um filho! Dai-me esse anjo!

Nunca se esquecia de fazer o mesmo pedido em todas as orações. Até que, certo dia, andando na sua barca a pescar, viu uma caixa a boiar nas águas. Remou até ela e recolheu-a. Para sua admiração e contentamento, dentro da caixa vinha uma criança do sexo masculino.

Satisfeito e incapaz de silenciar a sua alegria, o pescador mostrou aquele “filho” a toda a comunidade piscatória.

O tempo foi passando e o rapaz foi crescendo. Ajudava o pescador, tratando-o por pai e guardava-lhe todo o respeito. Não se recusava perante qualquer tarefa, era humilde e diligente.

Em determinada altura, porém, uma epidemia começou a dizimar a população e o rapaz adoeceu. Implorou o pescador a Nossa Senhora para lhe salvar o filho.

- Aqui estou - disse Nossa Senhora. - Venho buscar o anjo que te dei para o levar até à corte dos anjos. Anjo seja.

O pobre pescador não reclamou. Ouviu num ambiente de respeito e serenidade a fatal sentença. Para aquela pobre alma era como se acabasse o mundo. E mais não viveu com alegria, deixando de pescar.

- O pescador não dura muito - dizia quem o conhecia.

Como anjo da guarda da comunidade, o filho do pescador foi com Nossa Senhora e a epidemia acabou.

    A terra do “anjo seja”, no dizer da Senhora, ficou a chamar-se Angeja.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

MÊDA - MARIA ALVA E O SAPATEIRO - lenda nº 102

 

Texto e desenho de Santos Costa

Numa casa junto à torre mais alta do castelo vivia uma rapariga que dava pelo nome de Maria Alva. Quem a conhecia, sabia que nunca saía de casa, pelo que era apenas vista à janela de varandim. Viam-na, pois, homens e mulheres a meio corpo, da cintura para cima.

A beleza de Maria Alva não deixou indiferente o mais bonito rapaz da terra, que era sapateiro de profissão. Ela achou que devia pedir à rapariga para que casasse com ele; e ela, que logo aceitou, apenas colocou a condição de ele fazer uns sapatos para ela calçar.

“Pois irei fazer-vos o mais belo par de sapatos que já passaram pelas minhas mãos de artesão!”, prometeu o sapateiro.

Como não podia tirar as medidas dos pés de Maria Alva, o sapateiro combinou com a criada da rapariga para que ela o fizesse. E logo combinaram os dois que a criada espalharia farinha na casa, para que as pegadas deixadas pelos pés de Maria Alva permitissem à criada retirar delas as medidas exatas para a perfeição da obra.

Tal como o previsto, Maria Alva pisou o chão, deixando nele marcadas as plantas dos pés. Mas… ah! Apenas um dos pés tinha o formato normal da palmilha humana; o outro, bifurcava-se em dois pequenos triângulos como se fosse feito por uma cabra. Aflita, a criada saiu a correr para contar a novidade ao sapateiro.

“Minha senhora e vossa amada tem um pé de cabra; o outro é como o da gente, com dedos e tudo.”

Triste ficou o sapateiro. Julgando-se enganado, passou debaixo da janela da namorada e suspirou desencantado:

“Ai Maria Alva, Maria Alva, cara linda e pés de cabra.”

    Ao ouvir isto, Maria Alva entrou em casa e, vendo que o seu segredo tinha sido descoberto, tomou-se de profundo desgosto e atirou-se da janela, morrendo no chão da rua. Terá assim nascido o nome de Marialva.

domingo, 20 de dezembro de 2020

VILA NOVA DE FOZ CÔA - A FONTE DO CAMPELINHO - lenda nº 72

 

Texto e desenho de Santos Costa

Em Numão existe uma fonte que se chama Fonte do Campelinho, onde parece ter estado uma moura encantada, cuja infelicidade se expõe nesta pequena lenda.

Tendo-se deslocado um habitante da localidade a Roma, para tratar dos papéis de um segundo casamento, aí encontrou uma mulher que lhe entregou três pães, com a incumbência de ele não lhes ferrar o dente e entregá-los às três filhas dela, que eram três mouras encantadas que davam pelo nome de Zara, Cassina e Lira, cada uma em seu lugar. Uma estava na Fonte do Campelinho, em Numão, a outra na Fonte de Santa Clara, em Penedono, e ainda a última na Fonte da Conselheira, em Longroiva. Para lhe pagar o favor, a mãe moura entregou-se um cinto cravejado de ouro e diamantes.

Regressou o homem à pátria e, muito naturalmente, teve necessidade de se hospedar em estalagens.

Numa delas, a proprietária, que era lambisqueira e curiosa, encetou um dos pães, que logo começou a sangrar mal a faca o cortou de um golpe, enquanto se ouviu um grito de dor. Para que o hóspede não desse conta, a mulher recolocou aquele pão junto dos outros dois.

Foi o homem à fonte de Penedono, chamou por Cassina e ela apareceu ao cimo da água, voando para o céu. Foi à fonte de Longroiva, invocou o nome de Zara e esta se libertou de igual modo. Chegou à Fonte do Campelinho e, aí, as coisas não correram bem. Ao pronunciar o nome de Lira, veio à tona da água uma moura, maldizendo a sua pouca sorte em grande choro, por ter de ficar naquela fonte encantada para sempre, sem a perna direita.

O que acontecera? A mulher da estalagem, ao cortar o pão com a faca que pertencia a Lira, tinha amputado a perna da rapariga e condenado a infeliz a um eterno encantamento. Em Numão ficou, em quietude serena e num místico eterno.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

SABUGAL - O BEIJO ETERNO - lenda nº 85

 

Texto e desenho de Santos Costa

É entre as gentes de Sortelha que se encontra uma lenda que remonta ao período da reconquista cristã.

Consta que uma hoste de mouros cercou a fortaleza de Sortelha. No castelo encontravam-se o alcaide, que resistia com os seus homens de armas, a mulher do alcaide que diziam ser bruxa e uma filha, donzela formosa, que não queria saber nada de guerras.

Ora, como o cerco durava há muito tempo, a filha do alcaide tinha por costume passear no chamado caminho da ronda, de onde podia distinguir os inimigos mouros.

Certo dia, despertou-lhe a atenção o cavaleiro que se destacara do acampamento. Era o jovem chefe das tropas mouras. Se ela o viu, ele também a viu a ela. A beleza da jovem cristã deixou o chefe mouro rendido na sua contemplação.Com o auxílio de um dos seus mais fortes e habilidosos guerreiros, o comandante das tropas árabes passou a arremessar para dentro das muralhas, dentro de um saco, mensagens e presentes para a jovem que passou a amar à distância. Por sua vez, sem que alguém dos seus se apercebesse, a jovem lia as mensagens e recebia os presentes, abrindo o saco no seu quarto. Em seguida, à noite, devolvia as mensagens de amor para o amado.

Assim se passaram os dias até que, numa determinada altura, o chefe mouro combinou soltar um prisioneiro cristão para que, em paga, ele voltasse ao castelo e abrisse as portas para a filha do alcaide sair ao seu encontro.

O soldado assim fez e ela saiu do castelo.

No entanto, a mãe da jovem, que já andava a vigiar o namoro da filha, apercebeu-se que alguma coisa se passava nessa noite e levantou-se. Confirmou as suas suspeitas, pois viu os dois amantes, junto às muralhas, a beijarem-se. Logo ela lhes lançou do alto a maldição:

- Eu vos transformo em pedra!

E assim ficaram para sempre, transformados em pedra.