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domingo, 8 de fevereiro de 2015

SABUGAL



Um rapaz de Sortelha, que todos conheciam como Zé do Feijão, encontrou por acaso um falcão perdido e apanhou-o. Pouco depois, ficou a saber que esse falcão pertencia a um fidalgo que andara à caça e perdera a ave.
O fidalgo oferecia grossa recompensa a quem lhe apresentasse o falcão, vivo; em contrapartida prometia castigo severo a quem tivesse morto a ave.
O Zé do Feijão, perante aquela proposta, pensou nas palavras do seu pai no leito de morte. Tinha o moribundo aconselhado o filho desta maneira:
“Se tiveres um segredo, que não queiras ver espalhado pelo vento que soa, não o contes a ninguém. Nem a tua mulher, nem ao teu maior amigo. Não o contes, seja a quem for. Guarda-o, porque um verdadeiro segredo guarda-se no coração.”
Era, pois, chegada a hora de saber se aquela recomendação do pai tinha algum valor, pois até aí não lhe tinha encontrado qualquer préstimo.
O que pensou e fez ele, então?
Guardou o falcão num sítio onde ninguém o visse e convidou um dos seus melhores amigos para jantar com ele.
“Vamos comer carne de falcão”, disse ele quando apresentou, como ementa, o conteúdo que pôs na mesa.
O amigo quase saltou na cadeira:
“E onde foste tu arranjar o falcão, Zé?”
Ele então narrou com muitos pormenores como tinha apanhado o falcão, ainda vivo, pois o encontrara cansado e com fome para se deixar apanhar. Disse ainda que a ave era boa para uma refeição, pois mais falta lhe fazia a ele do que ao fidalgo. E acrescentou que era boa ocasião para compartilhar aquele pitéu com o seu melhor amigo.
Para conseguir pôr à prova o ditado, o Zé do Feijão, baixou a voz, colocou o dedo indicador à frente dos lábios e recomendou ao amigo:
“Tem cuidado e não fales disto a ninguém.”
Com aquele segredo a pesar-lhe na consciência, o amigo do Zé passou a andar cabisbaixo e taciturno, sem saber o que fazer: se calasse o que sabia, não mais sossegaria a consciência; se desse à língua, condenaria o amigo e a sua consciência também não o deixaria de atormentar.
Até que arranjou uma solução, de forma a divulgar sem divulgar. Chegou-se à beira de umas canas à beira rio e em voz baixa desabafou:
“Foi o Zé do Feijão que matou o falcão.”
Aliviado e descomprometido, o amigo foi à vida dele, sem agora ter qualquer peso na consciência a atormenta-lo. E assim seria, se não fosse o caso de um pastor, que guardava as suas ovelhas à beira do rio, ter arrancado uma cana para fazer uma flauta e assim passar o tempo a tocar nela.
Quando começou a soprar para uma melodia em voga, em vez dos sons musicais saiu uma frase que ali parecia estar guardada:
“Foi o Zé do Feijão que matou o falcão”.
Com esta acusação, depressa o fidalgo enviou os seus homens a casa do Zé do Feijão para lhe fazer pagar caro – talvez com a vida – a morte da sua ave de caça. Levado à presença do senhor de Sortelha para receber a sentença fatal, o Zé do Feijão disse que a ave estava em sua casa, bem guardada e alimentada, prontinha a ser devolvida ao seu dono. E assim fez.
Satisfeito, o fidalgo cumpriu o que tinha prometido: gratificou generosamente o rapaz que lhe apresentou a ave, sã e escorreita, sem um único arranhão ou prova de maus tratos.
Satisfeito, igualmente, o Zé do Feijão, pois via cumprido o judicioso conselho de seu defunto pai, pois o vento que soa pode levar para longe os segredos que se querem ocultar.  

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