Número total de visualizações de páginas

sábado, 23 de novembro de 2019

TRANCOSO - COMPREM BAETA - lenda nº 1

Texto e ilustração de Santos Costa

Gonçalo Anes Bandarra foi um poeta e profeta de Trancoso. Sapateiro de profissão, vivendo na primeira metade do século dezasseis, profetizou muitas coisas, de entre elas a restauração de Portugal. Chegou a ser julgado pela Inquisição, mas livrou-se de ser queimado na fogueira, sendo então proibido de fazer mais trovas proféticas.
Ora aconteceu que passeando dois escudeiros de Trancoso, encontraram o Bandarra a meditar junto do castelo. Estava ele sentado placidamente quando os dois o abordaram. Queriam saber o que ia acontecer nos tempos mais próximos.
- Tens alguma coisa de novo, Gonçalo Anes?
O Bandarra encarou-os e disse:
- Sim, temos.
- E quê? – tornaram os escudeiros.
- Que se compre baeta.
Os escudeiros entenderam que na casa de algum deles ia acontecer alguma morte. Comprava-se a baeta para se vestir quando houvesse luto.
- E qual de nós é que há-de comprar baeta?
O Bandarra respondeu:
- Todos.
Acaso viria alguma peste que levasse a maior parte da gente da vila? Intrigados e sem outra resposta mais esclarecedora, pois o Bandarra dava mostras de nada querer acrescentar, os dois escudeiros continuaram o seu caminho.
Daí a poucos dias adoeceu gravemente o infante D. Luís, filho de el-rei D. Manuel e, por sua morte, foi declarado luto nacional em todo o reino.
Então os dois escudeiros entenderam o vaticínio do Bandarra. Todos os portugueses compararam baeta.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

VIDIGUEIRA - A COSTUREIRINHA - lenda nº 37

Texto e ilustração de Santos Costa

Houve em tempos uma mulher que era costureira e fazia roupas para as freguesas. Trabalhava depressa e bem, pelo que os seus serviços eram muito requisitados pelo povo.
Aconteceu, porém, qualquer coisa que alterou a artesã e a vida da freguesia que a ela recorria: adoeceu com gravidade e, naturalmente, deixou de trabalhar, silenciando na rua o ruído da sua máquina de costura.
- Coitada dela - dizia uma cliente, lamentando não ter quem acabasse o vestido para o casamento de uma filha.
- Coitadas de nós, também - emendava uma outra -, porque não há por estas terras ao redor quem a possa substituir.
A mais interessada na recuperação da saúde era, como é natural, a própria doente. Os remédios não faziam efeito e a doença teimava em permanecer no seu lar. Até que, certo dia, a costureira se lembrou de fazer uma promessa:
- Se eu me curar, prometo vender a máquina de costura e, com esse dinheiro, distribuirei esmola pelos pobres.
O certo é que com promessa ou não, ela curou-se. No entanto, decidiu esquecer o prometido e nada de vender a máquina ou de dar qualquer esmola aos pobres.
Até que morreu, meses depois.
Não se sabe o que aconteceu à máquina de costurar, mas ficou na memória que ela, depois de morta, andava com a máquina às costas a coser na casa das freguesas. Pelos menos, estas não paravam de ouvir o matraquear da máquina, no cumprimento de um castigo que parecia ser eterno.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

SANTARÉM - A CONQUISTA - lenda nº 25

Texto e ilustração de Santos Costa

Quando D. Afonso Henriques decidiu tomar Santarém aos mouros, incumbiu dessa tarefa um cavaleiro da sua confiança, de seu nome Mem Ramires. A estratégia inicial era esse cavaleiro entrar disfarçado na fortaleza e espiar todos os pontos fracos para serem tidos em conta num ataque.
Mem Ramires disfarçou-se de bufarinheiro trajado como um vulgar árabe e entrou na fortaleza, andando por toda a cidade, vendo e ouvindo o que interessava para se realizar uma investida com êxito.
Depois de cumprida a tarefa, deitou a Coimbra, onde se encontrava D. Afonso e colocou-o a par do que viu, dando o seu parecer.
Assim, numa manhã de Março de 1147, um pequeno número de guerreiros pôs-se em marcha para cumprir audacioso e secreto plano. Montaram o arraial no alto de Pernes, onde esperaram que caísse a noite.
Em silêncio, os guerreiros cristãos iniciaram a investida, jurando Mem Ramires, que a integrava, que seria ele o primeiro a entrar em Santarém.
Lançaram uma corda com um gancho, que se prendeu num dos merlões das muralhas e por aí subiram vinte e cinco cavaleiros, tudo com esforço e a pulso. Mem Ramires, como tinha prometido, foi o primeiro a alcançar o objectivo, fazendo arvorar nas ameias o estandarte cristão.
Houve renhida luta nas ameias e nos passeios da ronda, mas os cristãos levaram a melhor sobre os defensores mouros. Quando raiou a manhã do dia 14 de Março de 1147, o castelo estava tomado.

domingo, 10 de novembro de 2019

BELMONTE - A ARCA VOADORA - lenda nº 9

Texto e ilustração de Santos Costa

Quando descobriu o Brasil, Pedro Álvares Cabral, navegador português de Belmonte, levava consigo uma imagem de Nossa Senhora da Esperança. esta imagem chegou a ser transportada até à Índia, onde uma capela em sua homenagem foi erguida. Actualmente, a imagem está na igreja da Sagrada Família, em Belmonte, e a ela anda ligada uma lenda.
Um soldado de Belmonte, de nome Manuel, decidiu combater os mouros. Como era corajoso, mostrou o seu ardor no mais aceso da luta, espalhando inimigos caídos à sua volta. Na viagem de regresso ao reino, o barco em que viajava foi capturado por piratas mouros, que o prenderam nas masmorras de um castelo, lá nas arábias. Ficou num catre húmido e escuro, na companhia de ratazanas, até ao dia em que os seus carcereiros o venderam como escravo.
Foi então comprado por um mouro rico, que o pôs a trabalhar nos serviços mais duros, alimentando-o mal e pondo-o a dormir dentro de uma arca de cereal, a qual tinha o cuidado de fechar à chave.
Manuel falava muito em esperança, a tal ponto de o mouro querer saber o que significava.
- Esperança é o desejo de regressar a Belmonte.
E o mouro fechava-o novamente à chave na tal arca.
Manuel apelava à Nossa Senhora da Esperança com tal fervor, que um dia esta lhe apareceu,, abrindo a arca.
- Irás cruzar os ares dentro da tua arca.
Era vésperas do dia de Páscoa e a arca voou pelos ares, indo aterrar em Belmonte com o Manuel Lá dentro.
O povo erigiu nesse sítio a capela de Nossa Senhora da Esperança.