Um
rapaz de Sortelha, que todos conheciam como Zé do Feijão, encontrou por acaso
um falcão perdido e apanhou-o. Pouco depois, ficou a saber que esse falcão
pertencia a um fidalgo que andara à caça e perdera a ave.
O
fidalgo oferecia grossa recompensa a quem lhe apresentasse o falcão, vivo; em
contrapartida prometia castigo severo a quem tivesse morto a ave.
O
Zé do Feijão, perante aquela proposta, pensou nas palavras do seu pai no leito
de morte. Tinha o moribundo aconselhado o filho desta maneira:
“Se
tiveres um segredo, que não queiras ver espalhado pelo vento que soa, não o
contes a ninguém. Nem a tua mulher, nem ao teu maior amigo. Não o contes, seja
a quem for. Guarda-o, porque um verdadeiro segredo guarda-se no coração.”
Era,
pois, chegada a hora de saber se aquela recomendação do pai tinha algum valor,
pois até aí não lhe tinha encontrado qualquer préstimo.
O
que pensou e fez ele, então?
Guardou
o falcão num sítio onde ninguém o visse e convidou um dos seus melhores amigos
para jantar com ele.
“Vamos
comer carne de falcão”, disse ele quando apresentou, como ementa, o conteúdo que
pôs na mesa.
O
amigo quase saltou na cadeira:
“E
onde foste tu arranjar o falcão, Zé?”
Ele
então narrou com muitos pormenores como tinha apanhado o falcão, ainda vivo,
pois o encontrara cansado e com fome para se deixar apanhar. Disse ainda que a
ave era boa para uma refeição, pois mais falta lhe fazia a ele do que ao
fidalgo. E acrescentou que era boa ocasião para compartilhar aquele pitéu com o
seu melhor amigo.
Para
conseguir pôr à prova o ditado, o Zé do Feijão, baixou a voz, colocou o dedo indicador
à frente dos lábios e recomendou ao amigo:
“Tem
cuidado e não fales disto a ninguém.”
Com
aquele segredo a pesar-lhe na consciência, o amigo do Zé passou a andar
cabisbaixo e taciturno, sem saber o que fazer: se calasse o que sabia, não mais
sossegaria a consciência; se desse à língua, condenaria o amigo e a sua
consciência também não o deixaria de atormentar.
Até
que arranjou uma solução, de forma a divulgar sem divulgar. Chegou-se à beira
de umas canas à beira rio e em voz baixa desabafou:
“Foi
o Zé do Feijão que matou o falcão.”
Aliviado
e descomprometido, o amigo foi à vida dele, sem agora ter qualquer peso na
consciência a atormenta-lo. E assim seria, se não fosse o caso de um pastor,
que guardava as suas ovelhas à beira do rio, ter arrancado uma cana para fazer
uma flauta e assim passar o tempo a tocar nela.
Quando
começou a soprar para uma melodia em voga, em vez dos sons musicais saiu uma
frase que ali parecia estar guardada:
“Foi
o Zé do Feijão que matou o falcão”.
Com
esta acusação, depressa o fidalgo enviou os seus homens a casa do Zé do Feijão
para lhe fazer pagar caro – talvez com a vida – a morte da sua ave de caça.
Levado à presença do senhor de Sortelha para receber a sentença fatal, o Zé do
Feijão disse que a ave estava em sua casa, bem guardada e alimentada, prontinha
a ser devolvida ao seu dono. E assim fez.
Satisfeito,
o fidalgo cumpriu o que tinha prometido: gratificou generosamente o rapaz que
lhe apresentou a ave, sã e escorreita, sem um único arranhão ou prova de maus
tratos.
Satisfeito, igualmente, o Zé do Feijão, pois via cumprido o judicioso
conselho de seu defunto pai, pois o vento que soa pode levar para longe os
segredos que se querem ocultar.