Dizem
que no castelo de Longroiva viveu um valente fidalgo de nome D. Ramiro Alvar.
Era um homem alto, bem constituído, bonito e bondoso, como não havia outro
igual pelos castelos da região. Era solteiro e, chegado aos trinta anos, ainda
não tinha pensado em contrair matrimónio.
Passado
algum tempo, vindo D. Ramiro Alvar da caça ao porco-montês, viu o seu cavalo
estacar repentinamente. Uma rapariga tinha saltado detrás de uma sebe e alvoroçara-se
com o aparecimento da montada e do cavaleiro. O receio fez com que caísse ao
chão, bem diante das patas do cavalo. D. Ramiro saltou para o chão e foi
auxiliar a jovem. Segurou-a suave mas firmemente pela cintura. Ela não se
atrevia a abrir os olhos, tomada de pânico, mas os dele estavam abertos de espanto:
a jovem era uma bonita criatura; nunca tinha visto nos seus trinta anos de vida
mulher com tanta beleza!
Não
mais esqueceu D. Ramiro aquela bonita rapariga, a qual se chamava Rosa.
Apaixona-se por ela e acaba por se casar, realizando-se uma boda memorável em
terras de Longroiva e arredores.
Dois
anos depois deste casamento, respondeu D. Ramiro ao apelo da guerra. Aí
conheceu outro valente guerreiro como ele, que se chamava D. Gonçalo. No mais
aceso da luta, D. Gonçalo caiu aos golpes dos inimigos e D. Ramiro foi em seu
socorro, não permitindo que despedaçassem o corpo do infeliz companheiro.
Ferido
e a necessitar tratamentos e cuidados, D. Ramiro ofereceu o seu castelo de Longroiva
para D. Gonçalo repousar e ser convenientemente tratado, enquanto ele
permaneceu no combate.
Ora,
passado algum tempo, D. Gonçalo estava curado das feridas e fez acreditar à
jovem esposa de D. Ramiro que o seu marido tinha sido morto na guerra. A
notícia teve o efeito de um raio que trespassasse o corpo de Rosa. A jovem,
sentindo-se viúva, fechou-se em pranto durante dias, permanecendo em luto
pesado durante um ano, findo o qual acedeu aos desejos de D. Gonçalo para que o
desposasse, mais dizendo o impostor, em memória de D. Ramiro, que assim o
desejou antes de morrer.
Tinham
acabado as cerimónias, eis que é regressado a casa D. Ramiro Alvar. Sabendo da
notícia pelos seus criados e de todos sabendo as artimanhas que levaram D.
Gonçalo a receber sua mulher por esposa, D. Ramiro entrou em casa e, vendo o
usurpador com Rosa, desafiou-o para um duelo. Logo ali as espadas se cruzaram
numa luta de morte e a lâmina de D.
Ramiro
trespassou o peito de D. Gonçalo, que tombou aos seus pés. Rosa, que a toda a
luta assistiu, arrojou-se aos pés do marido.
“Fazei
com que essa lâmina atravesse o meu peito”, clamou ela, em pranto.
“Não
o farei, pois que todos me contaram como Gonçalo vos enganou com a notícia da
minha falsa morte.”
“Culpada
sou por acreditar e não vos ser fiel até morrer! Mil vezes vos pedirei para me
matardes; se não o fizerdes, mil vezes me arrojarei diante de vós ou diante de
quem o queira fazer.”
“Perdoo-vos,
Rosa. E desde já vos garanto que não responderei a esse vosso desejo, nem
permitirei que homem algum o faça por mim.”
“Manterei
em segredo o amor que vos tenho e soltarei noite e dia o pranto do meu
arrependimento. Recuso, pois, o vosso perdão.”
Dito
aquilo saiu de casa, montou a cavalo e afastou-se do castelo de Longroiva. Não
olhou para trás. Mesmo que o fizesse, os seus olhos inundados de lágrimas, não
deixariam ver a felicidade que deixava fugir em cada solavanco do galope da
montada.
Refugiou-se
na sua velha cabana do bosque. Dizem que ainda hoje, quando alguém atravessa o
bosque e se aproxima da cabana, consegue ouvir o pranto da desconsolada Rosa,
como hino amargo da penitência que não era merecida.
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