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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

AGUIAR DA BEIRA - A FRAGA DO MEDRONHEIRO - lenda nº 83

                                                       Texto e desenho de Santos Costa

 Proclama-se esta lenda como sendo de Pena Verde, uma bonita localidade que foi, até ao séc. XIX, sede de concelho.

Arrumada a “feira dos Vinte”, em Moreira, ficou um queijeiro de Valverde entretido com amigos, brindando com vinho ao negócio. Quando achou que era altura de regressar a casa, o queijeiro despediu-se. Aparelhou o macho com alguns restos de mercadoria e tratou de regressar, como se costuma dizer, com o “grão na asa”.

A determinada altura do caminho viu, em sentido contrário ao seu, duas mulheres, uma nova e outra velha.

O queijeiro, virando-se para elas, versejou:

- Adeus lugar de Moreira, terra de muita feiticeira!

A mais idosa não gostou do que ouviu.

- Pedaço de asno, vais arrepender-te com língua de palmo por largares uma tal ofensa às mulheres de Moreira!

Ele riu-se e continuou o seu caminho. Um nevoeiro cerrado não deixava ver o trajeto habitual. Um lobo uivou na mata, o cavalo espantou-se e largou a fugir sem dizer adeus. Receando os lobos, que continuavam a uivar, o homem subiu a uns penhascos e ali ficou até raiar a luz do sol, altura em que desceu e foi à procura do cavalo.

Encontrou dois homens. Disse-lhes o que lhe aconteceu e os três andaram para um lado e para o outro, até que um deles encontrou alguns queijos no chão, na zona de fragas e barrocos que é conhecida por Medronheiro. Andaram um pouco mais e um dos buscadores deu com o cavalo entalado e morto entre dois penedos. Com o nevoeiro e o medo dos lobos, o animal entrara naquela fenda e já não conseguira sair.

Ao outro dia, o queijeiro entrou na igreja de Valverde e entre duas orações, confessou:

    - Perdoe-me, Senhor, pelo que eu disse. As mulheres de Moreira não são feiticeiras.

 

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

TRANCOSO - AS FILHAS DO BANDARRA - lenda nº 115

 

 Texto e desenho de Santos Costa

Conta-se por tradição ter Bandarra deixado duas filhas. Chamavam-se Isabel e Maria. Ainda é a tradição que conta terem estas duas raparigas morrido no mesmo dia e hora.

Foi o caso da Maria ter sido presa devido ao fato de ter colaborado na representação de um auto, naturalmente proibido pelos representantes do sagrado.

Para cumprirem ordem do tribunal, dois soldados apresentaram-se no Nogueirão. Tinham ordens para levarem consigo Maria, presa e escoltada até à cadeia. Isabel carpiu a pobre sorte da irmã. Já entre a custódia dos dois soldados, Maria sossegou Isabel e tratou de vaticinar, tal como seu pai, porventura desta guisa:

Mais uma e outra vez

Ou será antes ou depois;

Daqui saímos três,

À chegada seremos dois.

Os soldados também ouviram e não gostaram. Palpitou-lhes que a subtração de um para três queria dizer que mal a prisioneira trataria de se pôr ao fresco e seriam apenas eles os dois a chegarem até à cadeia... de mãos a abanar.

Desde o Nogueirão até Aldeia Velha é tudo a subir, mas a bom subir. Na altura fazia um calor danado, mas a ordem de marcha era esta: à frente, um dos soldados, com uma das mãos de Maria presas numa das manápulas dele; atrás, o companheiro, com idêntica segurança.

Ela que tentasse fugir!

Chegados ao cimo da ladeira, o soldado que seguia na frente soltou a sua mão da de Maria e caiu ao chão. Ainda lhe acudiu o companheiro, mas o coitado logo ali morreu.

     - Ó mulher, agora entendo as tuas palavras”, proferiu o soldado sobrevivente. “Do que recitastes há pouco, cumpriu-se que, das três pessoas que acabam de subir esta ladeira dos infernos, uma delas daqui não passaria.

domingo, 17 de janeiro de 2021

SEIA - O FIDALGO CARETA - lenda nº 124

 

Texto e desenho de Santos Costa

Havia em Seia um ermitão de Nossa Senhora do Espinheiro que vivia em pecado com uma mulher solteira. Toda a gente sabia disso, mas calava-se. Certo dia, apareceu-lhe à porta um fidalgo careta a pedir-lhe que o deixasse entrar para assar uma carne que trazia consigo.

- Faça o favor de entrar e servir-se do lume - ofereceu ele.

 Embora franqueasse a porta ao desconhecido, que vinha a uma hora tardia da noite com um pedido daqueles, não deixou de desconfiar da estranha visita. A hospitalidade era um dos lemas do ermitão, mas como estava desconfiado não deixou de prestar atenção ao fidalgo, mirando-o da cabeça aos pés. E foi nestes que achou a razão da sua desconfiança, pois o cavalheiro, em vez de sapatos, botas ou outro calçado para os pés, exibia dois cascos de bode, reluzentes como se tivessem sido ensebados.

Era ele então o Diabo?

Transido de medo, deu uma desculpa qualquer à visita, agora identificada, e tratou de ir a correr até junto da Senhora do Espinheiro. Lá chegado, ajoelhou e pediu em oração fervorosa que o livrasse do inimigo, que estava ali para o levar sem ele saber como.

Nossa Senhora apareceu-lhe em pessoa e sossegou-o desta forma:

- Descansa, que ele não te leva, porque eu te defendo. Ele dará um berro que tu vais ouvir e só depois disso é que deves regressar a casa, porque o demónio estoirará e irá para os infernos.

    Dali a pouco, o ermitão ouviu em estrondo, sinal de que o Diabo tinha rebentado. Foi então para casa, ainda a tempo de ver que a assadura do visitante não passava de um sapo venenoso que o fidalgo careta lhe daria a comer para o envenenar. A partir desse dia, o ermitão emendou-se e não mais manteve relações pecaminosas.

 

sábado, 16 de janeiro de 2021

ALANDROAL - A TORRE DE MÊNHA - lenda nº 31

 

Texto e desenho de Santos Costa

Junto à margem direita do Guadiana encontra-se a antiga vila de Juromenha, reedificada a sua fortaleza por D. Dinis no ano de 1312. O brasão de armas do séc. XIX ostenta um castelo, cercado por água, pendendo de cada um dos lados dois grilhões, sendo que estes significam um antigo privilégio que os seus moradores gozavam, de não poderem ser mudados para outra cadeia fora da vila sem que os tribunais pronunciassem a sentença final.

A lenda não justifica o brasão, mas o topónimo.

Conta-se que nesses primitivos tempos um nobre, que era dono do castelo e dos domínios ao redor, quis deserdar a sua irmã, ficando ele dono e senhor de toda a herança paterna. Vendeu, arrendou, trapaceou e desbaratou grande parte da herança da irmã. Para além disso, assediava essa irmã e pretendia que ela mantivesse com ele relações incestuosas, o que era supremo escândalo em terra de tradição muito religiosa.

A irmã do senhor feudal chamava-se Mênha e recusava as propostas do irmão, mormente aquela que envolvia a cupidez e o desejo de a ter como concubina.

Face a essas negativas, o suserano prendeu-a na masmorra do castelo, na esperança que nessa solidão e ausência de convicções, ela dobrasse e acabasse por aceder aos seus desejos. Diariamente era formulada a proposta, mas Mênha era pronta na resposta e na jura:

- Jura Mênha que não aceita.

Ao longo dos dias, depois dos meses e dos anos, foi sempre feita a proposta indecorosa do suserano, obtendo da irmã, sem outros queixumes, a repetição da resposta.

Terá ela acabado os seus dias naquelas ínfimas condições, mas não se deixou vencer.

    Uma das torres se chama Torre da Mênha – que alguns dizem Manha – e a vila Juromenha.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

ALCOBAÇA - A PADEIRA E OS CASTELHANOS - lenda nº 20

 Texto e desenho de Santos Costa

Chamava-se Brites de Almeida, era uma mulher que nada devia à beleza e tinha seis dedos em cada mão. Mesmo assim, ainda teve quem a pretendesse, como aquele soldado que quis casar com ela. Brites prometeu que casaria com ele se fosse capaz de a vencer numa luta. O soldado aceitou, mas perdeu e, nesse combate, o rapaz esteve às portas da morte. Devido a esse incidente, Brites teve de fugir, foi presa por piratas e, regressada à pátria, exerceu a profissão de almocreve, fazendo-se passar por homem, o que não lhe foi difícil.

Depois dessa odisseia, Brites de Moura foi finalmente contratada em Aljubarrota como ajudante de padeiro.

Quando se deu a batalha de Aljubarrota, no dia 14 de Agosto de 1385, a padeira pegou em armas e combateu os castelhanos. Finda a batalha, onde se portou valorosamente como um guerreiro, verificou que os apetrechos do fabrico do pão não se encontravam onde os tinha deixado e que, contra o costume, a porta do forno encontrava-se fechada.

Foi então abri-la e verificou, mesmo no escuro, que se encontravam ali escondidos sete castelhanos, daqueles que tinham fugido, tal como D. João de Castela o fizera, quando viram a sorte da batalha mal parada.

Com voz grossa deu ordens para que saíssem do seu forno e agarrou na pá de ferro com que costumava meter e tirar o pão do forno. Ouvindo uma voz de mulher, ganharam os castelhanos outra coragem, bem entendido, mesmo que lhes soasse mais grossa do que é costume no género feminino.

Eles obedeceram, saindo cada um por sua vez.

A Brites tratou de manobrar a pá à sua maneira. Não estava mais fatigada de desancar aquelas cabeças como já estivera no campo de batalha, aí manobrando grossa espada.

À medida que os apanhava fora, deu-lhes na cabeça com a pá, de modo que ainda despachou mais sete inimigos. Ela ficou conhecida como a padeira de Aljubarrota.

domingo, 3 de janeiro de 2021

GUARDA - A ALCATEIA DE PANÓIAS - lenda nº 114

Texto e desenho de Santos Costa

Um habitante da aldeia de Panóias regressava a casa vindo do trabalho quando foi abordado, no lugar chamado do Barroquinho, por uma alcateia. Os lobos pareciam famintos e, todos juntos, arremeteram contra o homem.

Metendo por entre as pedras e as árvores, sem se dar por rendido de todo, surgiu ao pobre trabalhador um barroco grande e liso, que ele logo escalou, sem saber como conseguiu chegar lá acima.

Os lobos tentaram imitar a escalada, mas por mais que saltassem e arranhassem com as barras o barroco, escorregavam por ali abaixo e não logravam alcançar aquela vítima.

O homem, no entanto, desesperava, pois os lobos resolveram fazer plantão à volta da rocha, uivando e latindo, ainda com arremetidas para a subirem, mas sem sucesso. De fato, não era provável que existisse alguém que pudesse passar por ali e, caso isso acontecesse, esse alguém também seria vítima daquelas criaturas famintas e poderia não ter oportunidade de, como ele, escalar uma rocha salvadora.

O que havia de fazer? Nada. Iria permanecer ali, em provisória segurança, sabendo que os lobos dificilmente desistiriam da guarda à sua presa. Com devoção e angústia, de olhos semicerrados, o homem pediu ajuda ao Senhor dos Aflitos. Com o pedido seguiu a promessa que achou por bem fazer, absorvido naquele fervor que só uma alma aflita consegue agarrar em oração.

Quando abriu os olhos, após ter rezado a última prece, o homem reparou que os lobos se dispersavam, agora silenciosos e calmos, cada um para seu lado, como se os esperasse outra refeição em algures.

Sem lobos à vista, o homem seguiu o caminho até à aldeia e contou o sucedido.

Em honra do sucedido, o povo decidiu construir a capela do Senhor dos Aflitos.