Enquanto
as gentes do povo passavam pela rua da amargura para conseguirem o pão com que
matavam a fome, uma moura que assistia nos barrocos próximos do Feital dava-se
ao desplante de assoalhar um riquíssimo bragal e cobiçado tesouro nas
madrugadas dos dias de São João e de São Pedro. Armava o estendal ao relento,
com arcas de joias, sacos cheios de dinheiro, ouros, pratas e pedras preciosas.
A
moura desvanecia com o seu tesouro posto à luz da manhã, desdobrando lindas
toalhas bordadas a ouro com dedal de prata. E não se sabe quantas coisas mais
de valor guardaria ainda nas grutas inexploradas onde passava o seu encantamento.
Calhou
certa vez a passar por ali uma mulher na companhia de uma filha pequena e a ver
tão cobiçada fartura de riqueza. Em quebranto ficaram mãe e filha, mais a
primeira do que a segunda.
O
certo, certo é que ficaram ambas ofuscadas com o esplendor das maravilhas. Só
uma mão cheia daquelas peças dava para esbanjar à larga e gozar toda uma vida
repimpada de papinho para o ar.
A
estranha deixou tempo à mãe e à filha para se fortalecerem com a surpresa e
mais com a cobiça. Com gestos amigáveis, a moura ofereceu à mulher a liberdade
de levar consigo o que lhe aprouvesse, desde que o fizesse de uma vez só. Esta,
sem hesitar, com olhos piscos de tanta vesânia e cobiça, berrou para a filha:
—
Ó rapariga, vai-me de um pulo a casa por via de trazeres a saca maior que lá
vires.
Um
pulo era um modo de falar, mas a criança não demorou a trazer o saco mais
avantajado que encontrou. Mais depressa do que era preciso, ambas trataram de o
encher indiscriminadamente com peças valiosas, enquanto a moura, que não ficava
mais pobre por isso, seguia os gestos precipitados da ganância.
—
Mexe-me essas mãos, minha aranha, avia-te! — incitava a mãe, recolhendo em
dobro nas manápulas o que em metade cabia nas da filha. — Mal parecerá se não aceitarmos isto tudo que esta
boa alma nos oferece.
Vendo
a moura que a mulher estava com vontade de encher outro saco, perguntou-lhe se
estava com vontade de gastar toda aquela fortuna durante a sua vida.
Toda
rapioqueira, a fulana disse que sim e mais que também, acrescentando: com a
graça de Deus.
—
Então, se é isso, dou-te apenas três anos de vida para gastares tudo o que
levas.
A
mulher fez-se branca como o véu dos anjos. Por momentos ficara imóvel e, depois
de uma pequena hesitação dolorosa, tomou uma decisão. Salamurda, tratou em
virar o saco de fundo para o ar e despejou o seu conteúdo.
—
Se ele é isso, fique-se vossemecê com as quinquilharias, que eu fico com os
meus anos de vida. E passe muito bem.
Sem
querer mais saber do tesouro, voltou para casa com a filha, disposta a viver os
anos que Deus entendesse ser servido, ainda que pobre como era.
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