Depois de muitas
insistências de uma rapariga de Algodres, o povo acabou por lhe dar ouvidos.
Ela dizia que sonhava várias vezes com uma senhora toda vestida de ouro, com
uma coroa na cabeça, que montava um cavalo também todo branco.
“Se tem coroa na cabeça
é por lá rainha”, diziam-lhe, meio a sério meio a rir. “Sendo isso, anda à
procura do trono.”
“Se vocês não
acreditam, deixai.”
O povo não
acreditava, mas acreditava ela. Do sonho passou para a realidade e deu-se a
vigiar o sítio onde a mulher aparecia.
E certa vez
aconteceu.
A trote, lá vinha
ela, a tal senhora coroada, sobre o tal cavalo branco e dirigia-se para a
Misericórdia. Depois desaparecia tão depressa como aparecera.
“Ela apareceu! Ela
sempre apareceu em cima do seu cavalo branco!” gritava a rapariga.
Quando falava
naquela dama, a rapariga era tomada de êxtase. Jurava e trejurava que a tinha
visto, tal qual o sonho, com aqueles mesmos olhos que a terra havia de comer. E
como a moça era tida como ajuizada, muitos creram nas suas palavras.
“Não ponhas mais na
carta, havemos de ir lá ver essa tua senhora”.
Juntaram-se os mais
crentes e outros tantos que duvidavam numa noite no largo da Misericórdia para
confirmarem as aparições da tal cavaleira, mas nada apareceu com essa figura.
Nas noites seguintes
continuaram as vigias, mas da dama não viram sequer a mais ténue sombra.
“Deve ser obra de
algum engraçadinho, vestido de mulher, que quer mangar á custa da gente da
terra”, disse um dos mais velhos do grupo de vigilância.
“Foi-nos bem feita!
Para que nos havemos de fiar em sonhos?”, disse um dos homens do grupo, para
quem a perda de sono não foi recompensada com a visão da cavaleira rainha.
“O cavalo é todo
branco e as crinas são brancas como a neve”, defendeu-se a sonhadora, a lembrar
que, se fosse paródia de algum engraçadinho, na terra não havia uma única
cavalgadura dessa cor.
Estavam alguns para
desistir, coléricos e despeitados, quando se deu o encontro. Estava-se na
décima terceira semana do ano, passadas três luas cheias desde o primeiro de janeiro,
marcando o calendário o dia 13. Eram precisamente 3 horas e 13 minutos quando
viram surgir, vindo da Praça, o cavalo branco com uma donzela de vestes
douradas, debruns de azul e ornamentos de estre-las, que se dirigia a trote
para o castelo. Não lhes deu tempo nem ânimo de perguntarem quem era ou simplesmente
darem-lhe a salvação de cortesia.
“Vem lá de casa de
Deus ou do Diabo, sentada no cavalo direita como um espeque de feijoeiro, de
nariz empinado e nem a boa-noite nos desejou”.
Depois deste encontro,
que provava ter consistência do sonho da rapariga, juntou-se mais gente nas
vigílias, revezando-se uns e outros para não deixarem passar uma noite em
claro. Pretendiam chegar ao entendimento com a estranha personagem e os motivos
da sua visita a Algodres.
Houve alguém que
alvitrou uma hipótese, logo corroborada como certeza pelos que ouviram estar a
visita relacionada com as pedras do antigo castelo arruinado, as quais serviram
para a construção da igreja da Misericórdia, em 1621, pelo vigário de Algodres
e o abade de Infias. Lá seria a rainha do castelo que vinha em busca do que era
seu.
Assim se passaram 13
dias, até que na laje apareceu um anão de orelhas pontiagudas e a dama a
cavalo, vindo o anão à frente e a esforçar-se por não ser pisado pelos quartos
dianteiros do animal.
Enquanto o anão
ficou a descansar da correria no centro da praça, a dama troteou com o cavalo
em círculo, como se estivesse em arena, sem dirigir palavra a quem quer que
fosse. Depois de três voltas, regressou para o centro e, empinando o cavalo,
deixou descair as rédeas que o pequeno súbdito se apressou a agarrar.
Foi então que, com
as rédeas seguras pelo anão, a dama régia se levantou nos estribos e dirigiu a
palavra a todos os que estavam presentes:
“Sou quem sou.
Tratai-me por rainha e quero informar-te, Algodres, que sejas como Jeremias,
profeta de Jerusalém, pois vais ter vários fogos na Barroca, ladrões que serão
à chusma entre franceses, castelhanos, africanos e até daqui naturais. Terás de
deixar a sede do concelho para a aldeia de Fornos. Vais crescer para o lado da
Rasa e serás uma terra bela, acolhedora e apetecível”.
O que é certo e
sabido, segundo as fontes locais, Algodres assenta no cume da serra do seu
nome, a altitude de 700 metros, de onde contempla o seu antigo alfoz agora
distribuído a Fornos de Algodres, como se fosse uma soberana.
Não sabemos se
Algodres teve castelo como Celorico, Linhares, Aguiar da Beira e Trancoso, mas
tem-se por assente que existiu, tendo a pedra das suas ruínas servido para a
construção da Igreja da Misericórdia.
Depois destes
vaticínios, a dita rainha regressou por onde tinha entrado, com o anão a seguir
com dificuldade o trote do cavalo.
Aquele sítio passou
a ser conhecido por Laje da Rainha.
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