À ermida de Nossa
Senhora da Boa Nova, em Terena, anda ligada uma lenda. Esta ermida é muito
antiga e é do tipo fortaleza, muito raro em Portugal. A ela anda ligada uma
lenda.
Havia há muito tempo
uma prisão junto do mar onde um homem se encontrava algemado de pés e mãos.
Este homem tinha sido condenado ao cativeiro em masmorra, acorrentado por
ferros nas mãos e pés, como se já não bastasse ter sido enclausurado num
calabouço de onde seria difícil fugir.
Este homem estava
inocente. Clamava inocência e ninguém acreditava nele, desde o juiz que o
condenou até aos beleguins que o trouxeram amarrado para cumprir a pena. Nem
mesmo o carcereiro, que o via todos os dias, o tomava por pessoa inocente,
limitando-se a deixar-lhe alguma comida e água, indiferente à imobilidade da
clausura do homem.
Certo dia,
levava-lhe o carcereiro a comida quando viu que as algemas tinham desaparecido.
O homem encontrava-se no cárcere, como sempre, mas tinhas as mãos e os pés
livres e os instrumentos que o detinham não se viam em lado algum.
O carcereiro
perguntou-lhe:
“Como conseguiste
libertar-te? O que fizeste às algemas?”
O homem encolheu os
ombros, também perplexo:
“Eu não fiz nada.
Elas desapareceram!...”
“Não pode ser. As
algemas não desaparecem assim, sem mais nem menos…”
De novo foi algemado
e acorrentado, mas de nada valeu. No dia seguinte o homem estava de novo livre
dentro da cela.
“Raios partam o
diabo!” gritou o carcereiro. “É possível que as algemas se desfaçam em fumo?”
Mais uma vez as
algemas foram redobradas, depois de verificado que as mesmas não tinham uma
única pinta de ferrugem, As correntes eram grossas e sólidas e as argolas
embutidas na parede eram capazes de resistir aos puxões de uma junta de bois.
“Vamos ver se desta
vez os grilhões acabam por sumir como aconteceu com os demais. Vais ficar aí,
pois não haverá força que te tire desta prisão”.
O preso, também ele
intrigado, apenas disse:
“Assim o quis a
minha desventura.”
Mais uma noite se
passou e o carcereiro, logo pela manhã procurou na cela o resultado da nova
segurança. O prisioneiro não era capaz de se libertar, visto não ter força
suficiente para quebrar as argolas dos grilhões e na cadeia, fechada com portas
de ferro, ainda por cima trancadas, não permitia ajuda de fora. Para além
disso, nem sequer se via no chão de pedra qualquer indício dos grilhões ou
sequer a limalha que ali ficaria depositada se fosse cortada.
As portas estavam
todas fechadas e os sinais que tinha posto nos buracos das fechaduras estavam
no mesmo lugar, assim como as trancas no preciso sítio em que as deixara.
Quando o carcereiro
abriu a porta da cela e ali penetrou ia-lhe dando um chelique. O prisioneiro
estava de pé, no meio da enxovia, com ar sério, totalmente liberto dos membros.
“Viva quem é, senhor
carcereiro”, saudou o prisioneiro com ar igualmente intrigado.
“Será que não tens
resposta para isto, excomungado? Será que tu és um feiticeiro e estás aqui para
caçoar comigo?”
“Não é caçoada. Sabe
Deus o que terá acontecido, pois não vi nem senti ninguém nesta pequena cela.”
“Por este andar, um
dia destes acabas por sair disparado pelas paredes e eu terei de prestar contas
ao senhor juiz.”
Desta vez o preso
parecia ter uma explicação:
“Pois o que posso
afirmar é que as algemas devem encontrar-se na ermida de Nossa Senhora da Boa
Nova, em Terena.”
“E quem as levou
para lá?”
“Não sei.”
“E como é que sabes
disso, se ainda não saíste daqui?”
“Também não sei”.
O carcereiro encarou
o preso como se ele fosse um animal do outro mundo.
“É um mistério! Nem
tu dás conta que tas tiram, se não é tua manigância livrares-te delas?”
“Sei que fico
subitamente libertado, sumindo-se todas ao mesmo tempo como se fossem levadas
pelo ar. Não me apercebo de passos ou de portas a abrir, não ouço o tilintar
dos ferros. Nada de nada!”
O carcereiro estava
tão estupefacto que não sabia o que havia de fazer. Ia chamar os beleguins, o
alcaide, o juiz e até, se fosse possível, que viesse ali o rei para ver com os
próprios olhos.
O prisioneiro também
não podia dar outras explicações, a não ser aquela que mais lhe pareceu consentânea
com o caso.
“Julgo que foi Nossa
Senhora que as levou”, acabou por dizer o preso, “pois não quererá ver preso
quem está inocente.”
O preso tinha razão,
as algemas foram encontradas na ermida de Nossa Senhora da Boa Nova. Estavam lá
todas, inteirinhas, sem sinal de cortes. O milagre comprovara a sua inocência
e, por isso, soltaram-no.
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