Na freguesia de
Préstimo e cerca da aldeia de A-dos-Ferreiros, o termo desta freguesia e ambas
do concelho de Águeda, existe uma ponte sobre o rio Alfusqueiro.
O rio Alfusqueiro é
um rio afluente do Rio Águeda que nasce na serra do Caramulo no concelho de
Vouzela perto de Carvalhal de Vermilhas, e que passa por Cambra, Campia,
Destriz e Préstimo indo desaguar em Bolfiar depois de percorrer 49 quilómetros.
Diz a lenda que um
cristão encarregou-se da obra, mas quando a decidiu começar encontrou uma
tarefa difícil, quase impossível. Mediu, tornou a medir, fez cálculos, refez
esses cálculos meia centena de vezes, não havia volta a dar. A ponte não podia
ser construída por mão humana, tais as formas do terreno e do curso de água.
“Grande obra, mestre
pedreiro, grande obra!”
“Cá me sinto
apoquentado por ser assim tão grande e eu tão pequeno para a fazer”.
“É também a minha
opinião”, disse-lhe o Diabo.
“E porque assim é,
estou aqui em desespero. Se me nego, perco tudo o que tenho; se a vou fazer,
nunca a acabo e tudo perco na mesma. Se não for escravo, serei cativo. Se me
fico, serei as duas coisas”.
“Então tu aceitaste
uma empreitada daquelas em que todos os braços são poucos? Onde estavas com o
juízo, homem?”
“Bem dou conta
agora…”.
O Diabo colocou-lhe
uma das peludas mãos no ombro.
“Não te preocupes,
que eu e os meus ajudan-tes fazemos a ponte para ti.”
“Deveras?!”
Uma oferta daquele
género garantia um saldo positivo a favor do construtor, fosse ele o Diabo ou
outra coisa qualquer. Serviço feito e garantido. Ora isso não contava? Sou um
louco responderia negativamente.
“Fico-te
agradecido”, aceitou o homem.
“Mas não tens de
agradecer, pois negócio é negócio. Em troca deste favor, entregas-me a tua
alma.”
O homem encarou o
Diabo, proclamado tentador em todas as homilias da igreja, sendo certo que mais
tirava do que dava. Não era conhecido por ter instinto esmoler ou por apóstolo
da caridade.
Como se não tivesse
percebido bem, interrogou:
“A minha alma?”
“Vamos lá, homem”
proferiu o Mafarrico com ar risonho e sorriso aberto, ciente da complacência e
da fraqueza do humano. “É favor por favor. Eu construo a ponte sem tu mexeres
um único dedo dos pés ou das mãos; tu apenas me entregas a alma, de que nem
sequer dás conta”.
Passou para as mãos
do homem uma escritura e disse-lhe que a devia assinar com o próprio sangue.
“Não precisamos de
fiador” garantiu o Diabo, que a sabia toda, “pois o teu sangue faz as mesmas
vezes.”
O homem assim fez e
assinou o documento com o próprio sangue. O Diabo confirmou:
“Comprometo-me a acabar
a obra no dia de Natal, ao cantar do galo, à meia-noite. Dou a palavra de
honra, tanto mais que mais custa apanhar uma alma que construir uma ponte.”
Logo no mesmo
instante apareceu um regimento de trabalhadores, todos eles diabos, que em
turnos de noite e dia levaram de frente a construção da ponte sobre o Rio
Alfusqueiro.
O Diabo e
companheiros continuaram a obra e na data aprazada estavam prontos a dá-la por
terminada, à meia-noite em ponto, conforme constava do contrato. Não comiam nem
bebiam, não trocavam palavras uns com os outros e não faziam folgas sequer para
secar o suor. Nem precisavam de capataz, uma vez que nenhum deles tinha vontade
de andar à rédea solta, como era muito comum nas obras em que o pedreiro
participava.
O homem via
diariamente a ponte a ser cons-truída. E agora que via a ponte quase concluída,
desejava no seu íntimo que os obreiros do inferno não acabassem a obra no dia
de Natal à meia-noite ao cantar do galo.
Foi então que uma
fada apareceu ao homem e aconselhou:
“Fizeste um negócio
ruinoso para tua perdição. Tudo neste contrato foi feito para te apanhar a
alma, pois o Diabo é do que mais aprecia”.
“Já é tarde para
voltar atrás. Está quase a terminar o prazo e tudo indica que os diabinhos irão
acabar a obra a tempo e horas”.
“Estás enganado. Se
fosse assim, eu nem sequer te aparecia, e ainda aqui estou para te ajudar a
resolver o assunto. Assim que o Diabo colocar a última pedra, atira este ovo ao
longo da ponte.”
O homem recebeu o
ovo que a fada lhe passou para as mãos e ficou-se a olhar para ele. A sua
credulidade não obtinha qualquer luz para descortinar como é que um frágil ovo
era capaz de resolver o seu problema.
A fada foi-se
embora, envolta numa nuvem de fumo e ele ficou entregue à proposta esquisita.
O cristão assim fez. Um minuto antes da meia-noite, quando o Diabo
estava a colocar a última pedra, atirou o ovo e este partiu-se. De dentro, como
por encanto, saiu um galo preto e cantou. Ludibriado, julgando ter perdido a
aposta do contrato, uma vez que ainda não concluíra o trabalho, o Diabo deu um
estouro e nunca mais por ali passou.
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