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terça-feira, 17 de novembro de 2020

CARRAZEDA DE ANSIÂES - A PALA DA MOURA - lenda nº 2

                                                         Texto e desenho de Santos Costa

 

Três antas existem no concelho de Carrazeda de Ansiães, sendo que uma delas se situa no lugar do Couto, a três quilómetros da aldeia de Vilarinho da Castanheira, freguesia que já foi concelho, e que se estende do sopé da Serra da Lousa até ao Rio Douro, mantendo ainda um vasto território. Esta anta é conhecida por Pala da Moura e a sua construção anda ligada a uma curiosa lenda. 

As antas são normalmente constituídas por esteios de pedra, de grande dimensão, dispostos ao alto, encimados por uma espécie de mesa, igualmente de grandes dimensões, a qual por estes sítios se designa por pala ou cobertura. Pois a mesa da anta do Couto, segundo os cálculos de arqueologia, pesa qualquer coisa como sete mil e quinhentos quilos.

A curiosidade da lenda reside no acreditar-se que este colosso de pedra foi trazido de grande distância à cabeça de uma moura, ao mesmo tempo que, indiferente ao peso, ainda ia fiando uma roca enquanto caminhava sem tropeçar. Como se esse fenómeno não fosse bastante para deixar qualquer um perplexo, a moura transportava às costas, devidamente acondicionado em uma alcofa, um filhote de colo, tendo os dois braços livres para ir fiando a dita roca.

Não consta que a mulher, durante esse inusitado transporte, que faria inveja a Hércules, trouxesse a “cara azeda”, de que se originou o topónimo Carrazeda; nem que a dita tenha sido familiar de um tal senhor de nome Ansila, de cujo nome resultou a terra de Ansilanis ou de Ansiães.

A Anta de Vilarinho da Castanheira tem uma câmara poligonal composta por oito esteios e a tal laje de cabeceira. Na parte interna de um dos esteios observam-se vestígios de uma primitiva pintura. Teria sido feita pela moura?

Carrazeda é também o nome da serra, na margem direita do rio Douro, local da provável proveniência da mesa ou pala da anta.

sábado, 6 de junho de 2020

ALMEIDA - O ALÇAPÃO DE LEOMIL - lenda nº 29

Texto e ilustração de Santos Costa

A fonte romana de Leomil, das que se catalogaram pela sua serventia até metade do século passado como fontes de mergulho constitui, com uma sepultura em pedra ali vista desde tempos muito recuados, o motivo desta lenda.
Saciado, o viajante partirá sem prestar atenção à sepultura, que mais não mostra do que o talhe no granito, que almas caridosas que se prezam vão limpando de líquenes, de folhedo e de ervas que a possam esconder.
Pois é precisamente na sepultura ou melhor, por baixo dela, que se encontra o segredo da lenda, que não se abre com um cravelho, mas com uma argola embutida num alçapão. Por isso, nada de extraordinário chama a atenção do passante, a não ser o arco milenário da fonte e, segundo nos avisa a lenda, é bom que assim seja.
Por baixo da sepultura diz-se que há um alçapão, que se abre com a já sobredita argola de ferro, que esconde um pote com libras de ouro. Saber isto, é acicate suficiente para a cobiça fazer de tudo para abrir esse alçapão e retirar o pote ou, não pretendendo a vasilha, encher um saco com o conteúdo reluzente e dourado.
Engane-se, então, quem assim pensa, porque a tarefa é mais delicada do que parece e não recomendada aos expeditos que se aventurem sem saber o que podem esperar.
Diz a tradição que o pote está lá, mas não se encontra sozinho, pois que uma cobra o guarda noite e dia – talvez mais precisamente noite e noite, porque não há por ali claridade no subsolo – com sanha de morder, por assim dizer, com os dentes todos, não inoculando veneno para um castigo em forma de permuta.
A cobra é uma moura encantada que está ali, não propriamente para segurar as riquezas do pote, mas para aproveitar uma oportunidade de se desencantar, deixando no seu lugar aquele que ela morder.

domingo, 24 de maio de 2020

ALFÂNDEGA DA FÉ - OS CAVALEIROS DAS ESPORAS DE OURO - lenda nº 46


Texto e ilustração de Santos Costa

No tempo em que os mouros dominavam o território que hoje é Portugal, havia um emir que possuía um castelo no Monte Carrascal, em Chacim. Este emir, de seu nome Abdel-Ali, era um tirano que, para além de tributar, forte e feio, os naturais, ainda lhes exigia a entrega das donzelas como tributo especial. Decretou, assim, que toda a donzela que fosse levada ao altar, a primeira noite ia para a cama com ele.
A poucos quilómetros de distância, numa outra fortaleza, situada no Castro e perto de Alfândega, mandava o cristão D. Rodrigo de Melo. Este D. Rodrigo tinha uma filha muito bela, chamada Teodolinda, a qual, receosa do direito de pernada exigido pelo emir na noite de núpcias, não queria casar.
Porém, o emir viu-a e desejou-a para si, não só para a primeira noite como para todas que a ele aprouvesse. Logo exigiu a D. Rodrigo, sob pena de lhe arrasar o castelo, a entrega da filha.
Em desespero, D. Rodrigo acorreu ao auxílio de duzentos cavaleiros de Alfândega, capitaneados por Pedro Malafaia. Quis o acaso que D. Rodrigo, quando foi fazer o pedido, levasse consigo a filha e esta se encontrasse com Casimiro, filho de Pedro Malafaia, e logo se enamoraram. Abdel-Ali não gostou de saber a novidade e mandou os seus guerreiros raptarem a noiva no dia do casamento e antes que este se realizasse. Esta empreitada correu bem, porque os duzentos Cavaleiros das Esporas de Ouro ainda não tinham chegado para vigiarem a cerimónia.
Levada para o Monte Carrascal, em seu socorro partiram os cavaleiros de Pedro Malafaia, entre eles, Casimiro e o pai. Os cristãos conseguiram vencer e entrar na fortaleza do tirano. Casimiro conseguiu entrar no quarto do emir, na altura em que este se preparava para matar a noiva. Casimiro, que logo matou o emir, exibiu a cabeça dele do alto das muralhas. 

segunda-feira, 20 de abril de 2020

AGUIAR DA BEIRA - A CABICANCA - lenda nº 90


Texto e ilustração de Santos Costa

Conta a lenda que certo dia apareceu na torre da igreja de Aguiar da Beira um enorme pássaro, com um bico tamanhão nunca visto ou contado, ouvido ou sonhado. O povo, horrorizado com a aventesma, deixou de ir à igreja ouvir missa e exclamava:
- Santo Deus! Que bicanca aquela! Que bicanca!
Aconteceu passar por ali um almocreve de Trancoso, de nome Martinho Afonso e de alcunha o Escorropicha, por ter fama de enxugar uma boa soma de copos de vinho.
Este Afonso, que estava farto de correr trancos e barrancos, sabia-a toda! Para além disso, era homem de coragem e porventura lá tinha então o seu copito no bucho e achou que o caso lhe podia trazer mordomias e alvíssaras.
Era homem de coragem e porventura lá tinha então o seu copito e achou que aquele era dos tais trechos que lhe podia trazer mordomias e alvíssaras.
Carregou uma espingarda e dirigiu-se para a igreja onde a Cabicanca, indiferente no seu mirante, gozava o seu bocado. O Escorropicha com um olho aberto e outro arremelgado, como regem as leis da balística, apontou alto e com um pum de atroar a Lapa inteira, abateu a cegonha.
 - O Escorropicha matou a Cabicanca!
Martinho Afonso foi guindado aos píncaros do heroísmo e transportado em ombros por toda a vila. O povo estava disposto a compensar o salvador: farnéis de bom chouriço e salpicão; azeite aos almudes; bons odres de vinho; cabritos e bolsas recheadas.
Passada a história à História, depois da morte do Escorropicha, subsistiu a veneração. O pároco deu em pedir um padre-nosso para alívio da alma do valente, todos os domingos, na ocasião da missa. Ainda hoje, referindo-se aos habitantes de Aguiar, muita gentinha os apelida de cabicancas, na amálgama da lenda que se tornou história.

domingo, 19 de abril de 2020

CARREGAL DO SAL - OS TRÊS SANTOS - lenda nº 52


Texto e ilustração de Santos Costa

Resolveram duas santas e um santo passearem num certo dia de sol. Combinaram subir o monte que se encontra sobranceiro a sul de Beijós.
Assim fizeram, lépidos, sorridentes e a bendizerem as graças que Deus lhes dava para os satisfazerem com um dia tão maravilhoso.
Quando chegaram a meio da encosta, uma das santas, possivelmente já cansada e em face da bela vista que daquele ponto se descortinava, resolveu que não subia mais e falou disso aos dois companheiros. Ficou por ali a contemplar Beijós, Pardieiros e a serra do Caramulo. E disse para si:
- Não podia ter escolhido lugar mais bonito! Vejo duas povoações e uma serra, é o lugar ideal para mim!
O outro companheiro e a outra santa continuaram a subida, até que, chegados a cerca de dois terços da caminhada, a outra santa resolveu também declarar ao companheiro que não subia mais acima, ficando por ali. Tal como fizera a outra santa, esta resolveu sentar-se e contemplar a paisagem, justificando assim:
- Que belo lugar, este! Que bonita toda esta vegetação, que se consegue observar deste local! Já não saio daqui!
O santo não ficou convencido e continuou a subir, prosseguindo sozinho a caminhada. Foi então mais para sul, agora a descer para a serra da Estrela. Chegado a um ponto mais abaixo, junto a um ribeiro e vinhedos, saboreou um cacho de uvas e ficou-se por ali. E disse:
- Ora cheguei onde quis e queria parar! Este é o sítio mais belo desta serra, de onde posso contemplar todo este vasto panorama!
Assim o povo passou a designar os três santos como Nossa Senhora da Pégada, Nossa Senhora dos Milagres e S. Tiago das Laceiras, cada um com uma capelinha no sítio onde resolveram ficar.

quinta-feira, 16 de abril de 2020

MIRANDELA - DONA CHAMÔRRA - lenda nº 39


Texto e ilustração de Santos Costa

Dona Chamôrra era uma princesa muito rica, ambiciosa e má. Tinha um castelo no monte mais alto de uma povoação dominada por ela. Os habitantes eram seus escravos, sendo obrigados a entregarem-lhe todo o ouro que ganhavam com o seu trabalho. Para que não se esquecessem desse dever e de subirem ao monte para fazerem entrega dessa obrigação, a princesa subia a uma das torres do castelo e tocava três vezes num gongo de ouro.
Lá em baixo, o povo dizia:
- Vamos, que Dona Chamôrra chama!
Ou ainda:
- Vamos que a Dona Chama e não gosta de esperar!
Ela amontoava riquezas e mais riquezas no seu castelo, ao passo que o povo passava fome.
De tanto sacrifício e da obrigação desproporcionada, o povo resolveu revoltar-se, deixando a partir daí de lhe levarem o ouro. Ela bem tocava no gongo, mas não recebia qualquer contributo dos súbditos.
Com receio que a revolta degenerasse e que os aldeãos fossem ao castelo para reaverem o ouro que tinham entregado, ela resolveu escondê-lo num poço bem fundo, colocando um enorme pedregulho a tapá-lo. E, não contente com essa artimanha, que dissimulava toda a riqueza, bem perto daquele poço um outro foi enchido de peste, cobrindo-o com um pedregulho igual, de modo que não havia diferença entre os dois esconderijos.
Em seguida, foi à torre do castelo e tocou o gongo:
- Vou desaparecer, mas vós de nada lucrareis. Quem tentar encontrar o poço onde está o ouro escondido, arrisca-se a encontrar o poço da peste e, se isso acontecer, todos vós morrereis.
Diz a lenda que os poços ainda lá estão e que ninguém se atreve a lá ir. Pelo menos, o povo ficou livre.

terça-feira, 14 de abril de 2020

GOUVEIA - A QUEDA DO PÚCARO - lenda nº 24


Texto e ilustração de Santos Costa

Na Nespereira, concelho de Gouveia, situada na vertente norte da Serra da Estrela, existe a Quinta do Paço. Ao próprio topónimo da povoação anda ligada a figura lendária de uma Inês Pereira, que daria Inespereira e posteriormente Nespereira, mas isso é conjectura lendária.
Pertencente à dita quinta, existe uma capela de invocação da Senhora da Encarnação, onde se diz estar sepultado um nobre do tempo de D. João II, que foi combatente deste monarca.
Quando o cognominado Príncipe Perfeito visitou a Nespereira, no ido séc. XV, foi recebido pelo seu importante súbdito na Quinta do Paço, possivelmente assim chamada porque foi, durante breve visita, o paço real.
O rei fez saber ao nobre anfitrião que tinha sede e este, com todo o respeito por sua real majestade, mandou vir por um dos seus criados, um púcaro de água fresca e cristalina, que ele próprio fez tenção de entregar ao soberano. Porém, como estava muito nervoso perante a visita de tão importante hóspede, inclusivamente com tremura das mãos – ele, que na guerra, as tinha firmes para a espada – quando ia a entregar o púcaro nas mãos do rei, deixou-o cair.
Toda a comitiva do rei desatou a rir perante o incidente, pois se tinha apercebido da atrapalhação do fidalgo da quinta.
Sem demonstrar qualquer animosidade, o rei voltou-se para todo o grupo dos da risota para lhes deixar, à guisa de admoestação, esta sua leitura do acontecimento:
- Saibam todos os da mofa, que este nobre cavaleiro, que agora deixou cair o púcaro perante o seu rei, ao seu serviço e nas guerras do norte de África nunca deixou cair a espada.
Os risos cessaram, até porque, de entre aqueles que riram, estaria algum que se temera de lutar e que, nas horas de refrega, desandara para sítio mais seguro.