Texto e ilustração de Santos Costa
Conta a lenda que certo dia apareceu na
torre da igreja de Aguiar da Beira um enorme pássaro, com um bico tamanhão
nunca visto ou contado, ouvido ou sonhado. O povo, horrorizado com a aventesma,
deixou de ir à igreja ouvir missa e exclamava:
“Santo Deus! Que bicanca aquela! Que
bicanca!”
Aconteceu passar por ali um almocreve de
Trancoso, de nome Martinho Afonso e de alcunha o Escorropicha, por ter fama e
escama de enxugar uma boa soma de copos de vinho.
Era homem de coragem e porventura lá
tinha então o seu copito e achou que aquele era dos tais trechos que lhe podia
trazer mordomias e alvíssaras.
Carregou uma espingarda e dirigiu-se
para a igreja onde a Cabicanca, indiferente no seu mirante, gozava o seu
bocado. O Escorropicha com um olho aberto e outro arremelgado, como regem as
leis da balística, apontou alto e com um pum de atroar a Lapa inteira, abateu a
cegonha.
“O Escorropicha matou a Cabicanca!”
Martinho Afonso foi guindado aos
píncaros do heroísmo e transportado em ombros por toda a vila. O povo,
susceptível de todas as dedicações, estava disposto a compensar o salvador:
farnéis de bom chouriço; salpicão de encher sacos; azeite aos almudes; bons
odres do melhor vinho; cabritos e leitões e bolsas recheadas.
Passada a história à História, depois da
morte do Escorropicha, subsistiu a veneração. O pároco deu em pedir um
padre-nosso para alívio da alma do valente, todos os domingos, na ocasião da
missa.
Ainda hoje, referindo-se aos habitantes
de Aguiar, muita gentinha os apelida de cabicancas, na amálgama da lenda que se
tornou história e da realidade que se transformou em ficção.
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