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terça-feira, 21 de agosto de 2018

ALANDROAL - O ALGEMADO DE TERENA (4)


À ermida de Nossa Senhora da Boa Nova, em Terena, anda ligada uma lenda. Esta ermida é muito antiga e é do tipo fortaleza, muito raro em Portugal. A ela anda ligada uma lenda.
Havia há muito tempo uma prisão junto do mar onde um homem se encontrava algemado de pés e mãos. Este homem tinha sido condenado ao cativeiro em masmorra, acorrentado por ferros nas mãos e pés, como se já não bastasse ter sido enclausurado num calabouço de onde seria difícil fugir.
Este homem estava inocente. Clamava inocência e ninguém acreditava nele, desde o juiz que o condenou até aos beleguins que o trouxeram amarrado para cumprir a pena. Nem mesmo o carcereiro, que o via todos os dias, o tomava por pessoa inocente, limitando-se a deixar-lhe alguma comida e água, indiferente à imobilidade da clausura do homem.
Certo dia, levava-lhe o carcereiro a comida quando viu que as algemas tinham desaparecido. O homem encontrava-se no cárcere, como sempre, mas tinhas as mãos e os pés livres e os instrumentos que o detinham não se viam em lado algum.
O carcereiro perguntou-lhe:
“Como conseguiste libertar-te? O que fizeste às algemas?”
O homem encolheu os ombros, também perplexo:
“Eu não fiz nada. Elas desapareceram!...”
“Não pode ser. As algemas não desaparecem assim, sem mais nem menos…”
De novo foi algemado e acorrentado, mas de nada valeu. No dia seguinte o homem estava de novo livre dentro da cela.
“Raios partam o diabo!” gritou o carcereiro. “É possível que as algemas se desfaçam em fumo?”
Mais uma vez as algemas foram redobradas, depois de verificado que as mesmas não tinham uma única pinta de ferrugem, As correntes eram grossas e sólidas e as argolas embutidas na parede eram capazes de resistir aos puxões de uma junta de bois.
“Vamos ver se desta vez os grilhões acabam por sumir como aconteceu com os demais. Vais ficar aí, pois não haverá força que te tire desta prisão”.
O preso, também ele intrigado, apenas disse:
“Assim o quis a minha desventura.”
Mais uma noite se passou e o carcereiro, logo pela manhã procurou na cela o resultado da nova segurança. O prisioneiro não era capaz de se libertar, visto não ter força suficiente para quebrar as argolas dos grilhões e na cadeia, fechada com portas de ferro, ainda por cima trancadas, não permitia ajuda de fora. Para além disso, nem sequer se via no chão de pedra qualquer indício dos grilhões ou sequer a limalha que ali ficaria depositada se fosse cortada.
As portas estavam todas fechadas e os sinais que tinha posto nos buracos das fechaduras estavam no mesmo lugar, assim como as trancas no preciso sítio em que as deixara.
Quando o carcereiro abriu a porta da cela e ali penetrou ia-lhe dando um chelique. O prisioneiro estava de pé, no meio da enxovia, com ar sério, totalmente liberto dos membros.
“Viva quem é, senhor carcereiro”, saudou o prisioneiro com ar igualmente intrigado.
“Será que não tens resposta para isto, excomungado? Será que tu és um feiticeiro e estás aqui para caçoar comigo?”
“Não é caçoada. Sabe Deus o que terá acontecido, pois não vi nem senti ninguém nesta pequena cela.”
“Por este andar, um dia destes acabas por sair disparado pelas paredes e eu terei de prestar contas ao senhor juiz.”
Desta vez o preso parecia ter uma explicação:
“Pois o que posso afirmar é que as algemas devem encontrar-se na ermida de Nossa Senhora da Boa Nova, em Terena.”
“E quem as levou para lá?”
“Não sei.”
“E como é que sabes disso, se ainda não saíste daqui?”
“Também não sei”.
O carcereiro encarou o preso como se ele fosse um animal do outro mundo.
“É um mistério! Nem tu dás conta que tas tiram, se não é tua manigância livrares-te delas?”
“Sei que fico subitamente libertado, sumindo-se todas ao mesmo tempo como se fossem levadas pelo ar. Não me apercebo de passos ou de portas a abrir, não ouço o tilintar dos ferros. Nada de nada!”
O carcereiro estava tão estupefacto que não sabia o que havia de fazer. Ia chamar os beleguins, o alcaide, o juiz e até, se fosse possível, que viesse ali o rei para ver com os próprios olhos.
O prisioneiro também não podia dar outras explicações, a não ser aquela que mais lhe pareceu consentânea com o caso.
“Julgo que foi Nossa Senhora que as levou”, acabou por dizer o preso, “pois não quererá ver preso quem está inocente.”
O preso tinha razão, as algemas foram encontradas na ermida de Nossa Senhora da Boa Nova. Estavam lá todas, inteirinhas, sem sinal de cortes. O milagre comprovara a sua inocência e, por isso, soltaram-no.

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