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domingo, 19 de agosto de 2018

ÁGUEDA - O DIABO DO ALFUSQUEIRO (2)

Na freguesia de Préstimo e cerca da aldeia de A-dos-Ferreiros, o termo desta freguesia e ambas do concelho de Águeda, existe uma ponte sobre o rio Alfusqueiro.
O rio Alfusqueiro é um rio afluente do Rio Águeda que nasce na serra do Caramulo no concelho de Vouzela perto de Carvalhal de Vermilhas, e que passa por Cambra, Campia, Destriz e Préstimo indo desaguar em Bolfiar depois de percorrer 49 quilómetros.
Diz a lenda que um cristão encarregou-se da obra, mas quando a decidiu começar encontrou uma tarefa difícil, quase impossível. Mediu, tornou a medir, fez cálculos, refez esses cálculos meia centena de vezes, não havia volta a dar. A ponte não podia ser construída por mão humana, tais as formas do terreno e do curso de água.
“Grande obra, mestre pedreiro, grande obra!”
“Cá me sinto apoquentado por ser assim tão grande e eu tão pequeno para a fazer”.
“É também a minha opinião”, disse-lhe o Diabo.
“E porque assim é, estou aqui em desespero. Se me nego, perco tudo o que tenho; se a vou fazer, nunca a acabo e tudo perco na mesma. Se não for escravo, serei cativo. Se me fico, serei as duas coisas”.
“Então tu aceitaste uma empreitada daquelas em que todos os braços são poucos? Onde estavas com o juízo, homem?”
“Bem dou conta agora…”.
O Diabo colocou-lhe uma das peludas mãos no ombro.
“Não te preocupes, que eu e os meus ajudan-tes fazemos a ponte para ti.”
“Deveras?!”
Uma oferta daquele género garantia um saldo positivo a favor do construtor, fosse ele o Diabo ou outra coisa qualquer. Serviço feito e garantido. Ora isso não contava? Sou um louco responderia negativamente.
“Fico-te agradecido”, aceitou o homem.
“Mas não tens de agradecer, pois negócio é negócio. Em troca deste favor, entregas-me a tua alma.”
O homem encarou o Diabo, proclamado tentador em todas as homilias da igreja, sendo certo que mais tirava do que dava. Não era conhecido por ter instinto esmoler ou por apóstolo da caridade.
Como se não tivesse percebido bem, interrogou:
“A minha alma?”
“Vamos lá, homem” proferiu o Mafarrico com ar risonho e sorriso aberto, ciente da complacência e da fraqueza do humano. “É favor por favor. Eu construo a ponte sem tu mexeres um único dedo dos pés ou das mãos; tu apenas me entregas a alma, de que nem sequer dás conta”.
Passou para as mãos do homem uma escritura e disse-lhe que a devia assinar com o próprio sangue.
“Não precisamos de fiador” garantiu o Diabo, que a sabia toda, “pois o teu sangue faz as mesmas vezes.”
O homem assim fez e assinou o documento com o próprio sangue. O Diabo confirmou:
“Comprometo-me a acabar a obra no dia de Natal, ao cantar do galo, à meia-noite. Dou a palavra de honra, tanto mais que mais custa apanhar uma alma que construir uma ponte.”
Logo no mesmo instante apareceu um regimento de trabalhadores, todos eles diabos, que em turnos de noite e dia levaram de frente a construção da ponte sobre o Rio Alfusqueiro.
O Diabo e companheiros continuaram a obra e na data aprazada estavam prontos a dá-la por terminada, à meia-noite em ponto, conforme constava do contrato. Não comiam nem bebiam, não trocavam palavras uns com os outros e não faziam folgas sequer para secar o suor. Nem precisavam de capataz, uma vez que nenhum deles tinha vontade de andar à rédea solta, como era muito comum nas obras em que o pedreiro participava.
O homem via diariamente a ponte a ser cons-truída. E agora que via a ponte quase concluída, desejava no seu íntimo que os obreiros do inferno não acabassem a obra no dia de Natal à meia-noite ao cantar do galo.
Foi então que uma fada apareceu ao homem e aconselhou:
“Fizeste um negócio ruinoso para tua perdição. Tudo neste contrato foi feito para te apanhar a alma, pois o Diabo é do que mais aprecia”.
“Já é tarde para voltar atrás. Está quase a terminar o prazo e tudo indica que os diabinhos irão acabar a obra a tempo e horas”.
“Estás enganado. Se fosse assim, eu nem sequer te aparecia, e ainda aqui estou para te ajudar a resolver o assunto. Assim que o Diabo colocar a última pedra, atira este ovo ao longo da ponte.”
O homem recebeu o ovo que a fada lhe passou para as mãos e ficou-se a olhar para ele. A sua credulidade não obtinha qualquer luz para descortinar como é que um frágil ovo era capaz de resolver o seu problema.
A fada foi-se embora, envolta numa nuvem de fumo e ele ficou entregue à proposta esquisita.
O cristão assim fez. Um minuto antes da meia-noite, quando o Diabo estava a colocar a última pedra, atirou o ovo e este partiu-se. De dentro, como por encanto, saiu um galo preto e cantou. Ludibriado, julgando ter perdido a aposta do contrato, uma vez que ainda não concluíra o trabalho, o Diabo deu um estouro e nunca mais por ali passou. 

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