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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

ALCANENA - AS LÁGRIMAS DO ALVIELA - lenda nº 64


Texto e Ilustração de Santos Costa

A filha do mouro de Alcanena apaixonou-se por um moço pobre. Não se sabe o nome da apaixonada e do rapaz, figurantes deste drama, mas tal não quita ao caso. O que se sabe é que tal namoro não agradou ao pai da rapariga, que chamou a filha diante de si para a admoestar:
- Proíbo-te que vejas de novo esse rapaz. Deverás casar com um príncipe rico, que eu escolherei na altura certa.
Perante as ameaças do pai, a jovem moura fugiu e abrigou-se numas grutas.
O pai, que era rei, contratou os serviços de uma bruxa para saber do paradeiro da filha e a bruxa, depois de pouco tempo, conseguiu saber onde e como se encontrava a filha do rei mouro. Através da mesma bruxa, o rei apresentava os pretendentes à filha, mas esta rejeitava-os a todos. Eles bem a requestavam, mas ela inibia-os de poderem mostrar quanto a paixão por ela os devorava.
Perante tanto desaire seguido, e de modo a fazer parar tantos disparates paternos, a filha do rei disse à bruxa:
- Diz a meu pai que o meu coração tem um dono pobre e mais nenhum outro.
Logo que posto ao corrente desta decisão inabalável, o rei pediu à bruxa que encantasse um pretendente príncipe em forma de boi ou mesmo de vaca e que lho levasse.
Perante a vaca, a que faltava destreza para o romantismo, como é bem entendido, o certo é que a moura não se impressionou e continuou a desejar o rapaz pobre.
Finalmente desiludido e convencido, mas teimoso, o rei decidiu então castigar a filha, deserdando-a dos bens e do trono, acrescentando a este castigo um outro:
- Viverás nessas grutas eternamente.
Assim ela ficou apartada naquele sítio escuso. Dos olhos da moura brotam grossas lágrimas eternas e é dessas lágrimas que se forma o rio Alviela.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

GUARDA - O BARBADÃO - lenda nº 49


Texto e ilustração de Santos Costa

O rei D. João I nem sempre foi fiel a sua esposa D. Filipa de Lencastre. Então, apanhando-se fora da corte, esquecia de todo a fidelidade conjugal, cativando outras mulheres na ausência da filha do duque de Lencastre, sua consorte. Foi o caso que se deu na cidade da Guarda, segundo narra a lenda.
Vindo à Guarda, o rei apaixonou-se pela filha de um sapateiro da cidade, Pero Esteves, de que resultou uma relação amorosa, da qual nasceu um filho, que se diz ter sido o primeiro duque de Bragança.
A apaixonada do rei era Inês Pires Esteves, de que nasceu, como se disse, um rapaz a que se deu o nome de Afonso, com os títulos de Afonso I, oitavo conde de Barcelos e primeiro duque de Bragança.
Isto é o que reza a História, oscilando a lenda entre Guarda e Veiros, no Alentejo.
Entretanto, saiba-se o desgosto que teve o sapateiro, homem simples mas honesto, que via naquela relação do rei com a filha uma ignomínia para a sua casa. Nas barbas dos homens se via a sua honra e a sua desonra e o sapateiro era um homem honrado na cidade. As suas barbas ficavam manchadas, mas tratava-se do rei e aquela relação não estava ao seu alcance resolver.
Pensou em matar o rei. Para isso, muniu-se com uma besta e respectiva flecha, decidido a fazer uma emboscada a D. João I para o matar. Essa seria uma solução que lhe devolveria a honra por um lado, mas tirava-lha por outro e perderia a filha, um rei e a liberdade.
Vai daí, Pero Esteves jurou que durante a sua vida jamais cortaria as barbas.
No entanto, face ao arrependimento do rei e o assumir a paternidade como o fez, o sapateiro ficou quite. Porém, a tesoura na barba nunca mais foi permitida.
Para sempre ficou conhecido como “o Barbadão”.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

LAMEGO - A ABADESSA DO CONVENTO - lenda nº 67


Texto e ilustração de Santos Costa

No antigo convento de Alvelos, em tempos situado no concelho de Lamego, havia uma Abadessa que praticava caridade. Em certo dia, uma pobre mulher bateu à porta do convento e suplicou alguma comida para ela e para os filhos pequenos. A Abadessa chamou a irmã ecónoma e mandou-lhe que desse à mulher o que houvesse de mantimentos.
- Nem sequer temos pão para pôr na mesa - informou a ecónoma. - Apenas há uns restos de azeite na talha para se cozerem umas ervas que apanhei fora do convento, a única refeição das irmãs.
 Não se conformou a abadessa e disse:
- Dá então esse azeite à pobre mulher e prepara as ervas para nós.
- Será isso que que quer, irmã abadessa?
- Faz o que digo. A mulher merece bem o azeite, pois não tem nada.
Em vez de cumprir a ordem, a ecónoma despediu a mulher sem lhe dar o azeite. Depois disso, entregou à irmã cozinheira o azeite e as ervas para a refeição de todo o convento.
Mal soube do sucedido, a Abadessa recusou a refeição das ervas e azeite, ordenando que fossem deitados fora, uma vez que considerava como roubo a recusa da entrega do azeite à pobre pedinte.
Deitada fora toda a refeição, foi esta aproveitada pelos cães e gatos, que acabaram por morrer, pois eram ervas envenenadas.
- Se tivéssemos comido aquelas ervas, teríamos morrido todas!
Logo aí se viu intercessão Divina, uma vez que tinham sido poupadas as vidas das freiras.
A ecónoma pediu perdão à abadessa e, quando voltou à talha do azeite para ver se algumas gotas lá tinham ficado, viu que a talha estava cheia até ao cimo.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

VILA NOVA DE FOZ CÔA - O CHANCELER E A PEIXEIRA - lenda nº 55

Texto e ilustração de Santos Costa

A Casa Grande de Freixo de Numão é um belo edifício senhorial, barroco, do séc. XVIII, que foi transformada em Museu de Arqueologia e Etnografia. Esta casa entra na lenda do Chanceler, pois se diz que foi habitada por este homem, de quem se diz ter pertencido à Maçonaria, sociedade secreta que nada tem a ver com esta lenda.
Assim, era costume o Chanceler comprar peixe a uma mulher que todos os dias lhe batia à porta para o vender, tão fresco quanto fosse possível naqueles tempos e à distância do mar, se não fosse peixe do rio.
Em determinada ocasião, descia ela o lugar dos Serabigos ou Sebarigos quando encontrou o Chanceler com outros cavaleiros. Dirigiu-se a ele, perguntando-lhe se desejava peixe, uma vez que o encontrava fora da casa. Ele respondeu-lhe que queria comprar peixe e terá dito qual e quanto, pelo que a peixeira, um pouco mais tarde, se dirigiu à Casa Grande para entregar a encomenda.
Alguém veio à porta e, para espanto da mulher, foi-lhe dito que o Chanceler já estava morto e no caixão, pelo que não podia ter feito a compra.
A peixeira, que o tinha visto com os dois “que a terra há-de comer”, afirmou que o tinha encontrado na companhia de outros seus iguais nos Sebarigos. E tal foi a insistência que os da casa, para tirar de dúvidas, foram até à sala onde se encontrava o caixão, pois tinham a certeza que o dono da casa se encontra lá estendido e pronto para o funeral.
Lá chegados, todos depararam com o imprevisto. Todos, menos a mulher: o caixão encontrava-se vazio e em tal estado como se nunca tivesse sido estreado!
Para remediar a falta do corpo, fizeram o funeral ao Chanceler, ou melhor, fizeram o funeral com um eixo de carro de bois fechado na urna, que assim tomou o lugar do Chanceler, que não mais foi visto e achado.

domingo, 12 de janeiro de 2020

ABRANTES - POR CIMA E POR BAIXO - lenda nº 36


Texto e ilustração de Santos Costa

Em Abrantes existia um casal que parecia ser muito feliz. O homem dizia bem da mulher e a mulher não dizia mal dele. Não se ouviam discutir, estava tudo aparentemente muito bem como se aquele fosse o par ideal.
No entanto, alguém andava a dizer ao marido que a mulher era uma bruxa, mas o homem não acreditava.
 - Ela é tão boazinha que me leva o chá à cama - assegurava o marido.
- Assim será - anuiu o informador. - Mas ande então o senhor mais desperto e deixe de beber o chá.
Numa noite, fingiu que bebeu o chá que a mulher lhe levou e ficou desperto. Levantou-se sem fazer barulho e seguiu-a até à cozinha, onde ela ali tinha acendido uma vela. Viu-a então besuntar o corpo com uma pomada que tinha escondido num armário. Depois daquela operação, ela comeu um ovo cru com chouriço e disse:
- Avoa, avoa, por cima de toda a folha!
E desapareceu. O homem besuntou-se com a mesma pomada e comeu o ovo e o chouriço. Como ela invocou “por cima de toda a folha”, ele que não era de altos voos, achou por bem voar mais baixinho. Então, por sua vez, recitou:
- Avoa, avoa, por baixo de toda a folha!
Nesse momento o homem saiu a voar pela porta fora e, para seu mal, em vez de voar por cima, voou por baixo, em voo rasante, de modo que o seu pobre corpo roçou por silvas, tojos, ramos de árvores e tudo o que apanhou, antes de aterrar num terreiro onde as bruxas se reuniam. A mulher, ao vê-lo todo arranhado, admoestou:
 - Já que estás aqui, vais beijar os pés a Nosso Senhor!
 Desta vez precavido, o homem olhou para onde a mulher apontava. Vai daí, ajoelhando-se como se fosse para beijar, picou o outro num pé, com uma sovela que tinha nos bolsos, e o Diabo estoirou.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

NAZARÉ - O MILAGRE - lenda nº 33


Texto e Ilustração de Santos Costa

Por feitos de bravura, D. Afonso Henriques deu a D. Fuas Roupinho a alcaidaria de Porto de Mós. D. Fuas tinha sido um dos valentes cavaleiros que combateram e levaram de vencida os mouros.
Conta-se que depois de muitas batalhas, D. Fuas foi para Porto de Mós repousar e praticar a caça, que ao tempo se realizava por ali como montaria aos veados.
Estava-se em 14 de Setembro de 1182. O alcaide seguia com outros companheiros, todos apetrechados com lanças, arcos e flechas, embrenhando-se nas densas matas em busca de veados, javalis ou até lebres. A visibilidade era escassa, uma vez que um nevoeiro espesso se espalhava pelo litoral. Isso fez com que D. Fuas Roupinho se perdesse dos companheiros e se visse isolado nessa missão venatória.
De repente, por entre o nevoeiro, D. Fuas descortinou as hastes de um veado, um enorme exemplar que parecia desafiá-lo, aguardando-o calmamente. O animal deixou que o caçador se aproximasse e só depois se lançou em louca corrida em direcção a um penhasco rochoso, mal distinto na pouca visibilidade permitida pelo nevoeiro. D. Fuas, que não queria perder aquela peça, lançou-se também em louca cavalgada na perseguição e não reparou que o penhasco acabava abruptamente num profundo abismo em direcção ao mar.
O veado precipitou-se no vácuo, altura em que D. Fuas Roupinho reparou no perigo e tentou fazer estacar o cavalo. Num instante, invocou Nossa Senhora, que lhe surgiu frente à montada, fazendo-a parar e ficar suspensa no abismo, apenas com as patas traseiras fincadas na beira da falésia.
Ao penhasco se chama O Bico do Milagre e à ermida mandada construir ali se chama Ermida da Memória. Mais tarde, perto da capela, foi erigida a igreja com a imagem de Nossa Senhora da Nazaré, decorrendo esta denominação, do seu lugar de origem, a aldeia de Nazaré na Galileia.

sábado, 4 de janeiro de 2020

SERNANCELHE - O ADÃO - lenda nº 48


Texto e ilustração de Santos Costa

Era o ano de 1310 quando o rei D. Dinis, na companhia do seu séquito, viajava pelo interior do reino, em terras de Moimenta da Beira e Sernancelhe. Quando o rei chegou à aldeia de Adebarros fazia muito calor, pelo que achou por bem repousar na casa daquele que fosse o mais fidalgo da terra. À falta de melhor, indicaram-lhe a casa do tio Adão, que era a melhor, e o seu dono ser o mais rico da povoação.
Espantados ficaram os fidalgos da corte e os camareiros reais quando viram o dono da casa, vestido de simples burel e com tamancos nos pés, embora nele fossem de notar a franqueza e o respeito.
Quando o rei pediu água, pois a sede já apertava, o lavrador de Adebarros prontificou-se a trazer-lha numa taça de prata. E vinha já na direcção do monarca com a taça cheia, quando o camareiro-mor lhe interceptou o passo, impedindo o lavrador de fazer a oferta. Dizia o camareiro que o dono da casa não cumpria aquele serviço com os ditames e pragmática da corte. Pelo contrário, o lavrador insistia em passar porque afirmava que o seu préstimo seria do agrado real, mesmo sem etiqueta.
O rei ouviu a altercação e sabedor da causa que opunha o seu camareiro ao lavrador, ordenou que este o servisse, como bem desejava. Bebeu a água e soube-lhe muito bem. Depois de acabar de beber, pergunto ao anfitrião:
- Desde quando és fidalgo?
- Desde Adão, real senhor.
- Então, sendo assim, a vossa nobreza é mais antiga do que a minha – verificou o rei.
- Não, real senhor, porque Adão sou eu.
O rei apreciou aquela saída e tratou de dar para o lavrador e descendentes, o foro de fidalgos da casa real. Desde então, até aos nossos dias, todos os primogénitos desta família tiveram o nome de Adão.