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domingo, 28 de novembro de 2021

VOUZELA - A CANINHA VERDE - lenda nº 73

 


                                                    Texto e desenho de Santos Costa

Na localidade de Fataunços, concelho de Vouzela, vivia um mouro chamado El Haturra, o qual era descendente do grande emir Cid Alafum. O mouro era velho e feio, fazendo-se acompanhar por uma bengala de cana.

Ninguém sabia por que razão o velho não largava a cana, a não ser Álvaro, o seu amigo cristão. Tinha-lhe dito que a caninha era mágica, apesar de velha e ressequida, mas que se tornaria verde se algum dia encontrasse sua prima, também descendente de Cid Alafum. Quando isso fosse, as terras e do emir voltariam para a família.

Numa dada altura, passeavam Álvaro e El Aturra quando se encontraram com uma princesa e a sua aia. Logo a caninha ganhou viço e ficou verde, ao mesmo tempo que o velho ficou jovem. A aia era a tal prima.

Os dois apaixonaram-se, mas o rei só consentia no casamento se El Haturra fosse baptizado. Ficou então marcado o baptismo para o dia do casamento, sendo que a aia já era baptizada.

No momento em que a água do baptismo caía sobre a cabeça do mouro, a caninha verde deixou de ter essa cor e ficou novamente ressequida. A moura desmaiou e El Haturra voltou a ser velho e feio, desaparecendo para sempre. A magia só fazia efeito de professassem a religião muçulmana.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

MANTEIGAS - FÁTIMA - lenda nº 117

Texto e desenho de Santos Costa


No vale glaciar do Zêzere, na Serra da Estrela, fica a vila de Manteigas que, em tempos, teve um rei mouro a governar. Para além de cobiçarem a região, os cristãos também lhe cobiçavam a filha, pois Fátima possuía uma rara beleza. Mas chegou o dia em que os cristãos lograram assaltar o castelo; entretanto o rei fugira com a filha. Nessa fuga andaram pela serra em busca de um lugar onde pudessem refugiar-se.

Fátima tinha os pés doridos e ensanguentados. O pai, se bem que cansado, era incapaz de abandonar a filha. De súbito, à frente dos olhos de ambos, uma luz jorrou para lhes mostrar um caminho florido e atapetado. Pai e filha seguiram por aquele caminho em direção à luz que provinha de um palácio, onde se encerraram. Esse coruto serrano passou a chamar-se Coruto de Alfátema.

Conta-se que, passados anos, uma mulher pobre de Manteigas, teve de passar pelo dito coruto. Era madrugada de S. João, deu-lhe o cansaço para repousar, altura em que retirou do seu alforge uma côdea para trincar. Era pão seco e rijo. Estava assim entretida, quando olhando para trás de si, viu uma toalha estendida com figos por cima. Deu para comer e encher o alforge, deixando alguns porque não cabiam no saco. Regressou a casa, mas quando foi a retirar do alforge os figos, reparou que; em vez dos figos, havia moedas de ouro. Regressou ao coruto para trazer os que lá deixara, mas não encontrou a toalha com os figos. A voz de Fátima  fez-se ouvir:

                       Era teu tudo o que viste; agora tornaste em vão.

                       Não passes mais neste sítio nas manhãs de S. João;

                       Não te perdeu a pobreza, pode perder-te a ambição! 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

BENAVENTE - S. BACO DE JENICÓ - lenda nº 145

                                                        Texto e desenho de Santos Costa

 

Os frades capuchos deixaram o Convento de Jenicó, em Benavente, corria o ano de 1834. Quando um terremoto reduziu o convento a ruínas, a imagem de S. Baco ali ficou no Jenicó (ou Jericó) bem quietinha no seu nicho. O povo de Benavente quis trazer a imagem para a Igreja Matriz. Trouxeram-na imagem num carro de bois, mas os animais não conseguiam andar, chegados ao cruzamento de Salvaterra de Magos e de Benavente, recusando-se a ir para uma ou outra terra, pelo que desistiram dessa intenção. Apareceu um desconhecido, já entradote na idade, que recomendou:

“Voltem para trás para o nicho da capela, que o carro andará imediatamente…”

E assim foi.

Era a imagem do santo procurada quando se era acometido por sezões, o que fazia com que o povo esfregasse as costas da dita para obter o “pó santo” milagroso.

A lenda ainda conta que um camponês, num gesto de agradecimento por S. Baco lhe satisfazer o pedido para arranjar emprego numa vindima, foi depositar um cacho de uvas aos pés do santo. O cacho não murchou com o passar dos dias, o mesmo não acontecendo com o pagador de promessas quando foi despedido daquele serviço. Revoltado, voltou à capela e, agarrando no cacho de uvas, comeu-o com sofreguidão, dizendo:

“Fui simplório e paguei a promessa, mas não acredito mais em ti, feia criatura. De mim não voltas tu a ter ofertas.”  

E riu-se nas barbas do santo. Conseguiu chegar a casa, a cambalear, mas faleceu pouco depois. A partir de então ninguém arrisca rir-se da fealdade da imagem.


 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

ALMODÔVAR - A VIZINHA - lenda nº 137

                                                    Texto e desenho de Santos Costa 

Vivia uma mulher no Castelinho, da freguesia de Santa Clara-a-Nova, e estava a coser um par de meias do marido à porta de casa. Foi então que lhe apareceu a tapar o sol uma mulher que se apresentou como vizinha e que vinha para lhe pedir lume. Esta mulher era moura, tinha toda a pinta disso.

Lá lhe deu o lume, a moura foi embora e regressou depois, para convidar:

“Ó vizinha, venha daí comigo para conhecer a minha casa, que é perto da sua. Vai ver que vai gostar da casa e da vizinhança!”

A convidada aceitou. Pelo caminho, a moura esclareceu:

“Ó vizinha, não se admire de nada nem tenha medo. E não fale em Deus.”

A mulher cristã ficou admirada daquela conversa e até receosa. Mas como já tinha aceitado o convite, seguiu com a outra, que parecia muito interessada em mostrar-lhe onde vivia e como vivia. A casa era debaixo de terra, com uma entrada dissimulada.

Não foi despropositado o aviso da mulher moura, porque apresentou à vizinha cristã uma casa muito bem arrumada e recheada de tudo o que era bom. Havia muito ouro e prata. Quando a moura abriu a porta do quarto para apresentar o marido, a cristã apanhou enorme susto. O marido estava deitado na cama e era um homem com cabeça de lagarto.

“Ai, valha-me Deus!” gritou a visitante.

Fez-se escuro e a moura levou a cristã para fora da casa, dizendo:

“Ai, que dobraste o meu encantamento por mais cem anos!...”

Quanto à cristã, passados três dias morreu de desgosto.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

PALMELA - O CONDE ALBERTO - lenda nº 134

                                                   Texto e desenhos de Santos Costa

 

O conde Alberto, um dos mais importantes e prestigiados fidalgos de Palmela, foi aprisionado pelos mouros. Levaram-no como escravo para os seus territórios no Norte de África. Vendido num mercado de escravos, foi adquirido por um mouro que não era nada meigo com os seus serviçais e muito menos com os seus escravos.

Como o conde Alberto não era daqueles que se humilhassem perante os inimigos, o mouro quis rebaixa-lo e colocou-o, preso por grilhetas, numa cela húmida e já habitada por ratazanas. Para ele, ainda arranjou uma forma de o colocar a produzir, pondo-o a rodar uma pesada mó de moinho.

Enquanto o conde passava os dias naquele triste fadário, a esposa e a filha, em Palmela, viviam na angústia sobre o que estaria a acontecer àquele familiar. Decidiram então as duas irem até à ermida de S. Brás. Suplicantes, lançaram-se aos pés da imagem de Nossa Senhora das Graças.

Enquanto estavam nesta súplica repararam que a imagem da Senhora inclinava a cabeça e parecia sorrir, sinal de que tinha ouvido a prece e que a ia atender.

Não passou muito tempo quando, em determinado dia, um caçador que passava perto da ermida, deu de caras com o conde Alberto, este ainda preso por uma corrente de ferro a uma pesada mó. Intrigado, o caçador aproximou-se dele e escutou do fidalgo a sua história de horror nas mãos do mouro, mais dizendo que lhe apareceu em sonhos Santa Susana, que agarrou nele e o levou a Nossa Senhora. Quando acordou, para espanto e alívio seu, estava ali, em terras de Palmela, se bem que ainda acorrentado à mó do seu suplício.